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Arcanos O clã dos Lobos

O Clã dos Lobos é o primeiro livro da série Arcanos e mostra os primeiros personagens em uma batalha no estilo medieval onde o maior objetivo é sobreviver. Batalhas de grandes exercitos, varias raças e cenarios cheios de magia e encanto. Para quem gosta do genero medieval esse é um trabalho bastante interessante. Bem pessoal o que posso dizer é que aqui estão disponiveís os primeiros capitulos do primeiro livro. sugiro que copiem e formatem da forma como acharem melhor. Deixem também seus comentários, criticas e sugestões em nosso mural de recados, sua opnião é muito importante. O livro tem previsão de lançamento para abril de 2011 pela editora ática, mas podem ir se familiarizando desde já. sugestões podem me contatar no email ocladoslobos@hotmail.com deixem mensagem no email e os adicionarei com prazer.


 

 

 

 

 

Capitulo 01

Lembranças de um passado distante.

 

 

‑ Garden. O belo mundo, a obra máxima da criação. Digno de respeito e admiração esse tão belo mundo é uma amostra do que os grandiosos Deuses do poderoso Panteão podem fazer quando resolvem se unir em um objetivo verdadeiramente nobre...

A voz do homem soa estranhamente bela. Uma mistura de respeito, admiração e dor em cada uma de suas palavras, como se o cansaço há muito acumulado, começasse a abatê-lo.

Seu corpo possui um tipo de presença sobrenatural, sentado em um trono digno do mais poderoso dos reis ele observa concentradamente uma grande fonte circular alguns metros abaixo no chão mostrando imagens de um mundo agora muito distante.

- Um espelho, um reflexo das qualidades e características de seus Deuses criadores, os muitos seres e raças habitantes desse mundo são como filhos para os Deuses que os protegem de tudo o que seja possível, enquanto a crença de cada uma dessas criaturas fortalece seus criadores patriarcais.

 

A fé dos homens é o que dá poder aos Deuses.

 

A imagem que aparece nas águas da fonte é belíssima. Montanhas, mares, praias, rios, florestas, vales e até mesmo desertos aparecem seguidamente, todos possuindo uma beleza única.

Um sorriso de contentamento surge no belo rosto do homem, sua feição dura se esvai lentamente, seus olhos frios e espetados vão também se acalentando aos poucos.

Agora vão surgindo imagens dos mais diferentes tipos de criaturas vivendo em uma harmonia quase mágica. Civilizações se desenvolvendo de todas as formas: a cultura, arte, o conhecimento sendo alcançado na sua mais bela e pura forma.

- Filhos dos Deuses! Todas as raças unidas assim como seus criadores. Mas e quando a discórdia surge mesmo entre os pais criadores?... - Agora ele fala lenta e pesadamente, sua voz soando mais baixa a cada instante.

- E quando o criador se apaixona por sua criação? Quando se ultrapassa os limites invisíveis que existem no universo. - A mão do homem se estende na direção do líquido fazendo-o se movimentar mudando a imagem apresentada.

A floresta possui árvores altas e largas com folhas densas e grandes fazendo com que a luz do sol atinja o solo de forma fraca dando um ar místico ao lugar.

Nada ali, porém se compara à beleza da mulher que caminha solene pela floresta. Seus pés parecem levitar, tamanha é a leveza de seus movimentos, a energia que emana de seu corpo transforma tudo a sua volta deixando o lugar ainda mais belo.

O cabelo negro brilha ao longe, a pele clara ganha um tom todo especial junto à luz fraca e vermelha que vem do sol, a própria mulher brilha mais que o sol. Os olhos castanhos claros e límpido como um amanhecer de primavera, os lábios vermelhos como o mais nobre sangue, em sua testa uma tiara de um metal mais puro que o ouro com uma pedra vermelha de cor muita viva em seu centro.

O homem admira com olhos perdidos, através da fonte a beleza daquela mulher.

-Os Deuses sempre estiveram à cima de sua criação, mas entre seus filhos sempre houve aqueles que se perguntaram: "Para que se dar ao trabalho de criar?". "Com que objetivo surgiu Garden?". "Qual a intenção afinal do Grande Panteão, dos Grandes Deuses ao criarem esse mundo?".

Nessa época os Deuses estavam mais presentes entre as raças, tendo sempre as suas preferidas o que permitiu a esses povos evoluir rapidamente, aprendendo as mais variadas coisas com seus criadores. Contudo foram necessárias muitas eras para que tais perguntas fossem finalmente respondidas. Isto veio a acontecer nesta fatídica tarde e mudou para sempre tudo o que antes era conhecido.

A fonte agora mostra um homem se aproximando da mesma mulher de antes. Ele se curva em uma longa e profunda reverencia cheia de respeito e admiração. A mulher por sua vez com um movimento leve e lento ergue o rosto do homem de cabelos dourados e olhos tão azuis quanto o mar mais límpido. De uma forma geral a fisionomia de ambos é muito semelhante, mesmo as orelhas longas e afinadas são iguais e embora a energia que emane do corpo do homem seja muito menor que a da mulher, existem traços de semelhança na tonalidade e intensidade de ambas, como se o espírito dos dois estivesse em sintonia e brilhassem com a mesma cor e sentimento.

Quando o rosto do homem alcança certa altura e os olhos de ambos podem se encarar ela para seu movimento ainda mantendo a mão no rosto do jovem. Os olhares se mantêm por certo tempo, fixos e intensos, cheios das mais variadas emoções, como se eles conversassem com o olhar e ali tudo se misturasse. Medo, dúvida, desejo e finalmente amor.

Em um movimento rápido acontece o beijo, intenso, apaixonado, profundo. O sentimento, há muito reprimido finalmente se liberta em um beijo que valeria uma vida.

O corpo de ambos libera uma energia incrível, como se as árvores deixassem de existir e o sol sem nenhum obstáculo inundasse o lugar com sua luz. Os corpos unidos se perdem em meio ao brilho que toma conta do lugar.

Fora da fonte o homem olha a cena sumir no líquido.

-Ayana a mais bela entre os Deuses e também a que mais sentia o peso da solidão. Sim solidão, pois mesmo com todo o seu poder, mesmo em se tratando dos senhores de um vasto universo. Os Deuses por muito sentiam-se sós. Presos em seu poder, sem ter com quem compartilhá-lo. Esse no fim das contas foi o motivo da criação. Não foi nobreza, não foi inspiração, nem se quer foi uma amostra de poder e sim de fraqueza. Os Deuses criaram Garden porque sentiam-se solitários no vasto universo que criaram.

Eles eram os senhores do universo, mas quem eles comandavam? Quem eles tinham para liderar e cuidar? Do desejo de companhia surgiu Garden e as muitas raças que habitam o mundo. Eles iriam se unir para criar esse mundo, mas deveriam limitar sua interferência. Os Gardenianos foram criados à imagem dos Deuses e com muitas de suas características e isso poderia se tornar perigoso, o apego em exagero poderia ser prejudicial à ordem do universo. Os Deuses possuíam deveres e esses deveres estavam à cima mesmo de suas tão preciosas criações.

Todos olharam com maus olhos quando Ayana criou sua raça filha: os Elfos. As semelhanças entre a criadora e sua cria eram grandes de mais, tanto na aparência física quanto no poder.

As divindades sempre limitavam as habilidades dos seres que criavam por medo de eles se tornarem poderosos de mais e um dia poderem vir a ser uma ameaça ao poder do Panteão. Sendo assim as raças nasciam com perícias, especialidades em certas áreas, mas também com fraquezas muito especificas. Um Goblinóide, por exemplo, dependendo da espécie poderia possuir grande força física, ou ser muito veloz ou até mesmo possuir grandes habilidades mágicas, porem nunca possuiria essas mesmas características dentro de uma mesma espécie e todos seriam vulneráveis a ataques mentais.

Sendo assim mesmo que se tornassem muito fortes individualmente ou em grupo, caso se unissem, poderiam ser derrotados devido as suas fraquezas, fossem as individuas de cada espécie ou pela vulnerabilidade que sua raça carrega. Os Elfos porem tiveram uma atenção especial de sua criadora. O amor que Ayana carregava era grande de mais e estava ficando fora de controle.

Ela já passava mais tempo em Garden que no vale dos deuses e cada vez mais os outros membros do Grande Panteão desaprovavam suas atitudes. As brigas entre eles se tornavam mais frequentes e os elfos começavam a ser vistos como uma grande ameaça, pois em seu excesso de zelo Ayana os tornou uma raça praticamente perfeita. Velozes, precisos, fortes como uma rocha e leves como uma folha, dominadores de todo tipo de arma que se possa imaginar. Grandes conhecedores da magia e quase imortais, pois o que equivale para um humano cem anos, para um elfo equivale a um único ano de vida. Resistentes a todo tipo de magia e excelentes combatentes físicos, de uma sabedoria quase infinita, videntes do passado e do futuro, os elfos eram uma ameaça não só para as outras raças como até mesmo para os Deuses que se mostravam receosos quanto à rápida evolução dos filhos de Ayana. A paciência do panteão se esvaia cada vez mais rápido, enquanto o amor de Ayana por sua criação só aumentava, até chegar a um ponto critico.

Perseu, filho da família de Lundur dos grandes Elfos, é uma prova viva da superioridade da raça elfica. Todos reparavam como sua senhora o olhava. Por tantas e tantas vezes passaram dias caminhando pelos vales e florestas das terras elficas e o sentimento entre ambos crescia como o número de perguntas que giravam ao redor dos reinos.

"Uma Deusa e sua criação?" "Como isso seria possível?" "Que fim teria tal união?".

Os elfos ficavam muito felizes com tudo aquilo, pois o amor entre Perseu e Ayana representava mais que tudo a união entre o povo elfico e sua divindade maior.

As outras raças por sua vez ficavam cada vez mais receosas quanto a tal aproximação. Os elfos estavam próximos demais dos Deuses e as outras raças temiam que se tornassem tão poderosos quanto às divindades. Todos em Garden haviam aprendido a temer o poder do Panteão, mas ninguém havia aprendido a temer o poder de um povo e assim do amor de Ayana por um de seus filhos surge a primeira grande discórdia de Garden.

Os povos, assim como os Deuses, já não escondiam seu descontentamento com a situação e em Sacred Place, onde habitam os grandes Deuses, a situação se agravava a cada dia. Os Deuses em total desaprovação pressionam cada vez mais para que Ayana acabasse com aquilo. Os conflitos se tornavam mais e mais frequentes e tomavam proporções cada vez maiores, mais perigosas e agressivas.

As regras que regem o universo seguem caminhos delicados e interferir nesse caminho pode gerar o caos como poucos conhecem. Os Deuses tem por missão zelar pela segurança e cumprimento de tal caminho. A criação, desenvolvimento e extermínio de raças é uma constante para que se mantenha esse equilíbrio e interferir nessa ordem natural pode significar o fim mesmo para os poderosos Deuses do universo.

Ayana se tornou pouco querida entre os Deuses e era vítima de ataques constantes dentro do grande panteão, assim como seus queridos elfos começaram a ser mal vistos entre os povos e Deuses e assim os gardenianos conheceram a inveja, a raiva e até mesmo o ódio.

As discussões entre as raças ganharam grande força e no panteão a situação se tornou incontrolável. A tolerância da maioria dos Deuses com Ayana chega ao fim.

Vendo praticamente todas as divindades se voltarem contra si e ao mesmo tempo seu amor pelo elfo Perseu aumentar cada vez mais, Ayana resolve quebrar definitivamente os antigos laços que a unia ao grande Panteão. Sendo uma das Deusas mais poderosas, os demais Deuses veem ameaçado o poder da união sagrada que antes tornava-os supremos no universo, pois enquanto juntos nada poderia detê-los, mas separados seu poder poderia ser sobrepujado e cada um poderia vir a perecer. Com o intuito de ver esse poder restaurado eles tentam obrigar a Deusa a retornar aos reinos de Sacred Place restabelecendo assim o antigo feitiço que os fortalecia.

Era óbvio que Ayana não desejava retornar a seu antigo posto no panteão e tão pouco os Deuses queriam que ela o fizesse. Seria suficiente para eles que a Deusa estivesse no reino sagrado, preferivelmente mantida em cárcere.

Com esse pensamento as divindades se lançam contra Archer a metrópole elfica, onde Ayana se mantinha reclusa.

Seria difícil tirar Ayana do lugar contra a sua vontade e para dificultar ainda mais os elfos resolvem intervir a favor de sua Deusa. Não só os elfos de Archer como todos os outros que vivem espalhados pelo mundo se unem para defender Ayana e mesmo ainda muitos outros povos de outras raças que também adoravam ou respeitavam a Deusa vieram se juntar à batalha no desejo de protegê-la. Entre eles humanos, invocadores, gelts, weishs e até mesmo algumas famílias de anões. Muitos eram os que consideravam injusta e egoísta a investida do panteão e mesmo entre os Deuses havia aqueles que discordavam de tal atitude e que de alguma forma simpatizavam com os sentimentos de Ayana, se recusando assim a entrarem na batalha. Contudo esses eram poucos e os povos que desejavam ver a queda elfica eram muitos e se uniram aos seus Deuses patriarcas na investida contra Archer. Dentre estes estavam praticamente todas as raças Goblinóides, Orc's, Góblin's, urukai's, os Pfui's, os Fólens e também havia todos os tipos de feras irracionais e muitos outros.

Com as alianças firmadas, surge a primeira grande batalha de Garden. Uma batalha que seria lembrada por toda a história. As divindades logo perceberam que haviam se enganado quanto à resistência de Ayana. A deusa se mostrava muito mais forte do que esperavam, porem estavam completamente certos ao ficarem receosos quanto à ascensão elfica, pois estes se mostraram extremamente poderosos, verdadeiros espíritos elevados. Os membros mais nobres das linhagens podiam ser considerados semi deuses.

Mesmo com tantas raças aliadas aos Deuses, os elfos resistiram durante muito tempo. A batalha se arrastava pesadamente, desgastante para os dois lados, o equilíbrio só foi quebrado quando algo inimaginável aconteceu...

Sempre se questionou o quanto os Deuses eram semelhantes a sua criação. Essa pergunta foi respondida de forma definitiva durante a batalha divina quando Ayana consumou seu amor pelo elfo Perseu e desse amor nasceu Bachir o primeiro Arcano de Garden.

O nascimento de Bachir foi imensamente celebrado entre os povos defensores de Ayana lhes dando novo animo e aumentando o desejo de defender sua Deusa e seu filho, o que deu aos elfos uma ligeira  vantagem frente aos inimigos, já cansados com o prolongar da batalha.

Um grande receio tomou então o grande Panteão.

Apesar de os gardenianos terem sido criados pelos Deuses, eles possuem propriedades e características próprias e ao misturar essas propriedades com as dos Deuses o resultado seria aterrador. Uma nova espécie surgiria, independente e poderosa uma nova raça fora do controle das divindades. Um ser com habilidades únicas e um potencial sem limites, com capacidades suficientes para superar até mesmo os Deuses. Foi pelo receio do surgimento de tal ser, o qual não poderiam controlar, que o panteão sempre proibiu veementemente as relações entre divindades e raças e agora que tal criatura havia nascido algo de urgente precisava ser feito.

Bachir era esse novo ser. Uma ameaça definitiva aos deuses. Isso se ele crescesse e desenvolvesse bastante suas habilidades, algo que as divindades não podiam permitir, por isso os deuses impuseram sua força tomando uma atitude radical. Se Ayana criou o seu ser perfeito eles fariam o mesmo e com a vantagem de não precisar esperar que sua criação se desenvolvesse, pois já nasceriam com bastante poder para entrar na batalha.

Dessa forma a linhagem Arcana se estendeu às outras raças.

Os Deuses que não entraram na batalha foram amplamente contra tal criação, mas as divindades estavam obcecadas em sua conquista e não tomaram conhecimento do perigo de seus atos. A nova geração Arcana surgia com um imenso poder. Depois disso a batalha não durou muito mais.

A cidade de Archer foi invadida pelos senhores Arcanos e Ayana subjugada. Perseu e os principais líderes elficos foram mortos junto com muitos de sua raça. Assim as divindades alcançaram seu objetivo principal. Ayana foi derrotada e seria aprisionada em Sacred Place.

Os Deuses desejavam matar Bachir pela ameaça que representava, mas nesse momento se viram impedidos por sua criação.

Os Arcanos se recusaram a permitir a morte da criança e menos ainda a eliminação da raça elfica.

Foi permitida a retirada da Deusa para as terras sagradas, mas apenas isso. Caso os Deuses se recusassem a aceitar se uniriam à Ayana iniciando assim uma nova batalha.

Os Deuses ficaram muito contrariados, mas também tinham consciência de que sua vitória só foi possível graças aos Arcanos e que uma união com Ayana poderia virar a situação.

A raça elfica foi mantida, mas os Deuses não aceitaram de forma alguma que uma criatura como Bachir pudesse continuar a existir. A própria classe Arcana não deveria perdurar.

Com a volta de Ayana a Sacred Place o antigo laço de poder foi restabelecido, mesmo sem a intensidade de antes, pois com Ayana aprisionada seu poder diminuiu muito, porém ainda assim sua presença era mais que suficiente para o fortalecimento do grande Panteão. Com esse poder parcialmente restaurado as divindades se voltam para Bachir. O desejo de matar o Arcano supremo era muito grande, tanto quanto o desejo dos Arcanos originais de proteger a criança.

A existência Arcana se tornava uma ameaça ao Grande Panteão, fazendo-o se virar contra sua mais recente criação, mas dessa vez eles viram todas as raças se manifestarem contra tal ato. Mesmo as raças mais leais aos Deuses se manifestaram contra a idéia de destruição dos Arcanos e se dispuseram a defendê-los.

A nobreza Arcana conquistou a todos, pois mesmo com seu imenso poder, eles fizeram tudo o que foi possível para impedir que os danos causados pela batalha acabassem sendo pesados demais, mesmo para as raças que combatiam.

Em pouco tempo o Panteão se viu desafiado duas vezes pelos gardenianos e agora o problema tomava novas proporções.

Os arcanos por sua vez demonstraram não desejar o combate e mais que isso mantiveram sua lealdade aos criadores, mas acima de tudo aos povos que defendiam e não desejam ver tais povos envolvidos em novas batalhas, tão pouco desejam ver Bachir morto, com esse pensamento resolveram se render. Sua presença em Garden devia cessar, mas não podiam abandonar os povos que os defendiam tão nobremente, então propuseram se retirar junto com Bachir para um plano paralelo onde não influenciariam na existência.

As divindades concordaram, pois não desejavam mais problemas. Os Arcanos, porem não deixaram Garden abandonada. Seus descendentes não eram tão poderosos, mas estavam ali e mesmo os Arcanos estando em seu isolamento encontraram uma forma de estar próximos quando necessário, podendo, em casos muito especiais, serem invocados por determinadas pessoas e assim defenderem os povos de Garden.

O conflito acabou e as coisas se acalmaram, porém nunca voltaram a ser as mesmas. Surgiu um descontentamento das raças com os Deuses. A imagem impugnada das divindades desapareceu e a rebeldia dos povos enfraqueceu o Panteão.

Os deuses dependem da crença das raças em seu poder e com a queda dessa crença o poder decai também. O Panteão já não era mais tão soberano.

As divindades perceberam que suas criações haviam se tornado perigosas e decidiram que seu envolvimento com os gardenianos deveria diminuir. Os povos de Garden deveriam seguir seu caminho sem demais influencias. Mas agora que as raças experimentaram a guerra, o convívio se tornaria muito mais difícil. Os povos tomaram conhecimento do poder que possuíam e as implicações disso foram drásticas. Eles finalmente perceberam que na verdade os Deuses também os temem.

Sem os Deuses para os mediarem, os povos começaram a resolver seus problemas com a violência a que foram apresentados na batalha divina. Primeiro com conflitos pequenos que foram tomando proporções maiores até que raças inteiras estavam se digladiando e guerras entre os povos começaram a surgir pelo mundo a fora.

Com os anos a arte da guerra foi se aprimorando e novas necessidades surgiram como se defender e mesmo sobreviver.

Invasões de território, demonstração de poder, ganância, cobiça. Todas as raças sendo ameaçadas umas pelas outras.

Novas técnicas de batalha surgiram, poderes ocultos se revelaram, habilidades secretas foram desenvolvidas, exércitos foram formados, grandes guerreiros fizeram nome, o ódio entre as raças surgiu e cresceu. O mundo de Garden nunca mais seria o mesmo.

Com as necessidades surgiram novos Deuses, que vinham com promessas de atender a essas necessidades. Os Deuses menores e os caídos ou sombrios como também são conhecidos surgem demonstrando grande poder e desejo de conquista.

O Panteão se mantêm, mas tem de dividir espaço com os deuses menores que vão surgindo.

Certas raças se destacam e criam suas próprias divindades se lançando contra outros povos mais fracos.

Garden não é mais um jardim... Deixou de ser para se tornar campo de uma batalha sangrenta e impiedosa. Assim surge a primeira Tormenta. Todas as raças se enfrentando por poder, domínio e prestigio.

A batalha foi iniciada pelos Orc's das montanhas do Norte e rapidamente se espalhou pelas montanhas próximas. Os orc's reclamavam o poder soberano sobre Garden e principalmente à submissão elfica, raça a qual odiavam e que muitas vezes enfrentavam.

A batalha se espalha mundo a fora e todas as raças acabam entrando no combate direta ou indiretamente.

O grande Panteão decidiu não interferir de forma mais direta. As divindades menores por sua vez entraram completamente na batalha, ganhando muito prestigio entre os povos e aumentando assim a dimensão do poder de destruição e consequentemente o estrago causado por eles.

O poder de destruição desses deuses era imenso e eles não mediram esforços para alcançar a vitória por seus aliados.  Medo e terror era o que surgia nos lugares por onde as batalhas passavam e a destruição era tudo o que restava, escombros e memórias de tempos idos que dificilmente voltariam a se ver. 

Vejam bem, nem todas as raças desejavam a guerra. Muitos eram os povos que desejavam viver tranquilamente como antes, porem mesmo a paz para existir muitas vezes tem de superar a guerra e assim muitos povos se lançam na batalha para defender a antiga ordem do mundo.

Os elfos restantes eram os mais desejosos pelo restabelecimento da velha ordem e libertação de sua Deusa. Assim como os eidolons, os gelts e os weishs também desejavam a paz junto com os humanos que dessas raças era a que estava em maior número e melhor preparada para a batalha contra os fólens, pfuis, os Goblinóides e principalmente contra a mais nova raça a surgir em Garden, a raça dos elfos negros que surgiu não se sabe exatamente de onde, mas veio com um imenso poder e desejo de destruição, esses eram os principais povos envolvidos sendo que muitos outros povos menores inclusive os mais reclusos também participaram. Poucos foram os que conseguiram se manter longe ou livre das batalhas e do terror que elas causavam.

E assim a guerra se espalhou e todos sofreram, porém nenhuma das raças de Garden sofreu como a raça elfica.

Ayana estando aprisionada em Sacred Place nada mais podia fazer além de chorar por seu amado povo. Os outros Deuses, em sua maioria, desprezavam a raça elfica, poucos eram os que ainda mantinham alguma simpatia por esse povo e mesmo estes estavam proibidos de interferir nos acontecimentos de Garden, mesmo entre as raças do belo mundo eram poucas aquelas que caminhavam ao auxilio elfico.

No final das contas a primeira tormenta se tornou um instrumento da vingança dos Deuses que a utilizaram para finalmente derrubar não apenas a raça elfica, mas também a maioria das outras que os desafiaram na batalha divina.

Os então mais poderosos do mundo só não foram extintos graças a intervenções externas, sobre tudo a dos humanos e dos weishs.

Aos poucos os humanos foram se tornando a principal esperança daqueles que desejavam a paz. Kall, o general humano dos Cavaleiros da Justiça, nessa época ainda era um jovem, porém forte guerreiro o bastante para escrever seu nome na história.

O exercito de Kall inicialmente pequeno foi vencendo uma a uma as batalhas contra os goblinóides, libertando assim pequenos povoados, ganhando grande prestigio entre aldeões e todos os tipos de pessoas das classes menores. Por onde passava realizava pequenas alianças, até que finalmente uniu um exercito expressivo. Seus guerreiros são lendários, apenas os melhores em cada uma de suas áreas. Espadachins, batedores, arqueiros, magos, mórmons, alquimistas, bruxos, bárbaros. Guerreiros poderosos faziam parte de sua tropa principal.

Semi deuses também se uniram à causa humana e a batalha desequilibrou a favor dos conhecidos como defensores do dia.

E assim, em muitos pontos os exércitos Goblinóides recuavam e a esperança de tempos melhores crescia novamente.

As batalhas podiam ter terminado com a vitória dos defensores do dia e inúmeras vidas teriam sido poupadas, mas o Grande Panteão mostrou uma vez mais o quanto pode ser egoísta e vingativo.

Os que defendiam o dia eram os mesmos que antes haviam desafiado as divindades e os deuses queriam puni-los por sua rebeldia. Quebrando o voto de não interferir os deuses reergueram os exércitos Goblinóides e pretendiam destruir por conta própria a capital humana Merima.

O panteão só não contava com um nome, Teles a oráculo mais poderosa de Garden. Dizem que o poder dela se equiparava ao dos Deuses. Ela previu o ataque das divindades à capital Merima, dando tempo assim para que os homens pudessem se preparar para a batalha.

Era sabido que nem todo o exército do dia seria suficiente para deter o atual poder do Panteão. Iniciasse então uma frenética corrida contra o tempo para trazer de voltar os Arcanos originais. Uma nova estratégia precisava ser trabalhada, o exército Goblinóide estava reerguido e a capital humana estava prestes a ser destruída. Os guerreiros do dia só teriam uma chance, a última batalha teria de ser definitiva. O exército goblinóide marchava para Merima para a destruição da capital humana. Coube aos cavaleiros de Kall e principalmente ao grande líder humano lorde Abiatar detê-los por tempo suficiente para realizar o mais ousado dos planos.

Junto a seus aliados, os humanos conseguiram manter os goblinóides e todas as outras raças inimigas fora do muro onde resistiram pelo tempo necessário até o verdadeiro inimigo se apresentar.

As divindades chegaram e o combate final começou. Um verdadeiro massacre foi o que aconteceu, os deuses mostraram seu poder e fúria, mesmo assim os guerreiros do dia aguentaram por tempo suficiente para sua heroína lhes salvar: Lady Wilue, uma das últimas invocadoras existente. Sua missão era encontrar os artefatos que seriam usados para trazer de volta os Arcanos originais. Uma missão que não poderia ser cumprida sozinha.

Wilue teria de viajar pelos reinos secretamente, passando despercebida e por isso uma única companhia lhe foi oferecida. Odeth a Arcana lendária. O poder dessa guerreira é cantado em muitas nações, uma verdadeira lenda a Paladina Peregrina.

Grande amiga de Wilue, coube a ela a proteção da lady e tenham certeza de que ela precisou dessa proteção.

O tempo era pouco e em seu encalço estavam os espectros enviados pelos Deuses para destruí-las.

Sete chaves, sete arcanos originais e sete espectros.

Odeth derrotou dois em Geffen, mas não sem sair ferida. Wilue derrotou um na beira de Sanór onde se separou de Odeth.

As duas chegaram à passagem de Sanór sendo seguidas pelos quatro espectros restantes. As divindades sabiam que elas já estavam com os sete artefatos e desejavam possuí-los. As duas haviam derrotado três dos sete inimigos, mas ficaram seriamente feridas e sabiam que não teriam como chegar à capital vivas ou mesmo com os artefatos.

Seus caminhos deveriam se separar assim como os artefatos. Três deles ficaram com Odeth e os outros quatro com Wilue, pelo menos uma das duas deveria retornar.

O plano surtiu efeito. Três dos espectros seguiram Odeth e apenas um foi atrás de Wilue. A invocadora conseguiu alcançar seu objetivo. Odeth porém se perdeu no tempo, junto com os espectros e as relíquias restantes.

O momento decisivo surgiu. Wilue retorna junto com as quatro relíquias para o campo de batalha em Merima. Quatro dos sete arcanos originais entram na batalha e tudo se equilibrou novamente por certo tempo. Assim a batalha se arrastou durante meses e com o passar do tempo se percebeu que embora os arcanos fossem poderosos, ainda eram inferiores aos Deuses, principalmente por só estarem quatro dos sete Arcanos originais ali sendo que dois dos arcanos mais poderosos foram levados com Odeth na passagem de Sanór. Logo a batalha começou a pender para o lado divino.

Sempre existiram aqueles deuses bondosos, os que não tomavam parte nesse tipo de ação, mas que também não interferiam quando os outros mostravam sua arrogância. Foi a esses deuses que os defensores do dia rogaram, as lagrimas dos que defendiam suas famílias, dos que só desejavam ver a paz de outrora restaurada, foram a salvação dos povos, pois Miguel Zadoque, Mutter-Nathur, Roman e Flur se sensibilizaram com a dor de seus filhos e resolveram intervir a seu favor como um pai que vê o filho lutar de forma honrosa e ser atraiçoado por um inimigo covarde, então eles entram na luta e tudo mudou.

Agora os Gardenianos veem quem são os verdadeiros Deuses poderosos.

A batalha é breve, tanto os exércitos Goblinóides como as suas divindades aliadas estavam desgastadas, assim tudo cessa em pouco tempo.

Os exércitos Goblinóides se retiram derrotados e os defensores do dia comemoraram, mesmo que tenham tido de pagar um alto preço por essa vitória, nenhum preço, porém foi maior que o pago pelas divindades.

Após a primeira Tormenta o Grande Panteão se desfez. Não havia mais a união entre os deuses, cada um agora vivia isolado em seu reino dentro de Sacred Place e mais que nunca a antipatia e até mesmo ódio entre os deuses aumentava e não diferente era com as raças. Ódio, desprezo, nojo, tudo isso ocupava o coração dos gardenianos.

As nações estavam se reerguendo com o passar dos anos, mas não haveria tempo para ver as feridas da primeira tormenta cicatrizarem.

Paz era algo que não pertencia mais aos povos de Garden e assim poucos anos depois de a primeira tormenta ter acabado, os presságios de uma nova guerra já rondava pelos reinos e dessa vez os deuses eram os mais ameaçados.

 

 

 

 

 

ARCANOS

O Clã dos Lobos

 

CAPITULO 2

A FLORESTA VIVA

 

A mulher cavalga de forma desesperada, seu cavalo esbaforindo, empenhando toda a sua força na corrida, sua vida e a da mulher que o monta dependem de sua velocidade.

A estrada que percorrem é estreita e um pouco deficiente como se não fosse cuidada há algum tempo. A sua frente a trilha se perde de vista e em ambos os lados a floresta é densa e ameaçadora. O sol já estava fraco no fim da tarde e do céu vem um grito agudo da garganta de um animal alado de aparência medonha seguindo a mulher. São três desse tipo no total, cada um com corpo esquelético, dentes salientes e afiados, asas parecidas com as de um morcego, porém muito maior. Eles se aproximam cada vez mais pelo céu enquanto no chão várias criaturas quadrúpedes, verdes como plantas a perseguem, possuem boca de formato afiado, porém sem aparentar possuir presas, suas pernas são pontiagudas o suficiente para atravessar um javali.

Um dos alados mergulha do céu em direção à mulher que com uma mão segura a rédea do cavalo e a outra um belo arco no qual uma flecha é encaixada, mas aquele não mostra ser um ataque comum. A flecha é tomada por energia branca e então lançada. O tiro é certeiro e em um rápido brilho a criatura desaparece sendo desintegrada no ar como se nunca tivesse existido.

- Abaeta aguenta firme, se esses bichos nos alcançarem vamos ter sérios problemas. - Ela fala com o cavalo enquanto a floresta começa a se agitar ao redor dando a impressão de acompanhar o rítmo dos dois. Ao olhar para os lados, receosa, percebe o perigo se aproximar.

- Fique no meio da estrada Abaeta, não chegue perto da floresta, tem algo de muito errado com ela. - A mulher se curva para falar bem próximo à orelha do cavalo, se firmando em seu pescoço para evitar que o ritmo acelerado a derrube e talvez para alguém ou algo não a escutar.

Um dos quadrúpedes salta na direção do cavalo e a bela mulher gira novamente com a flecha já em posição. Dessa vez a ponta de madeira arde sendo tomada por um fogo intenso. O tiro é preciso, o inimigo é aparado no ar e assim como na criatura alada o fogo o consome fazendo seu corpo sumir rapidamente.

- Merda! Estou ficando esgotada, daqui a pouco fico sem energia e sem flechas. Droga é só comigo mesmo que acontecem essas coisas. 

Uma outra criatura alada se aproxima com as garras prontas para dilacerar.

- Pra cima de mim não passarinho feio! - Mais uma flecha é lançada atingindo seu alvo fazendo-o dar um último grito de agonia antes de desaparecer. - Vai ser preciso bem mais que isso para deter essa gata aqui...

O cavalo toma maior distancia dos inimigos, ao que parece eles tem chance de se salvar.

A velocidade da cavalgada aumenta assim como a impressão de que a floresta se move os acompanhando. A dúvida dá lugar à certeza quando um cipó espinhento sai da mata riscando o rosto da jovem. O estrago poderia ter sido maior não fossem os reflexos da cavaleira.

- Agora está ficando interessante! - A mulher sorri de forma cínica possuindo excitação em seu olhar. As rédeas são seguras de forma mais firmes aumentando a intensidade de cavalgada.

Vários outros cipós cheios de espinhos grossos e afiados saem da mata indo em direção à jovem. Uma grande demonstração de habilidade em montaria é apresentada. A mulher desvia de cada ataque em impressionantes manobras evasivas.

O arco dá lugar a duas laminas curtas utilizadas para evitar o ataque vindo de todos os cantos.

As criaturas já não a seguem mais, no entanto o número de cipós aumenta grandemente. A luta agora é entre ela e a floresta, a qual parece ser mais que suficiente para detê-la. A trilha vai se estreitando e cada vez mais aumenta a dificuldade para se defender.

Abaeta tem vários pesares para se preocupar, como por exemplo, manter sua vida, a de sua cavaleira, manter a velocidade para a fuga e ainda desviar das lapadas dos cipós e galhos nodosos, que agora são tão grossos quanto as raízes de árvores centenárias.

Torna-se quase impossível evitar os ataques. A mulher é atingida com força no braço causando sangramento. A força do golpe faz com que a espada caia. Outro cipó menor se aproxima riscando seu peito sem que possa ser evitado rasgando roupa e a pele, arremessando-a para trás quase a fazendo cair.

- Droga! Eu devia ter esperado pelo Wil ou ter trazido o Yule, pelo menos eles poderiam estar aqui apanhando comigo. - A mulher fala recuperando a postura e segurando o peito tentando estancar o sangramento, uma expressão de dor toma seu rosto.

Uma grande vinha atinge Abaeta no peito o lançando vários metros para trás. A mulher por sua vez é arremessada para frente, ainda conseguindo amortecer a queda com um preciso giro de corpo. O cavalo por sua vez não teve a mesma chance de defesa, caindo pesadamente no chão o animal logo é erguido no ar por muitos dos cipós que o agarram em varias partes do corpo. O cavalo relincha desesperado com os espinhos rasgando sua pele. Em resposta sua dona se lança em desespero para salva-lo.

- Abaeta, Não! - Ela corre em direção ao animal, mas não chega a dar mais que alguns passos e uma vinha de porte menor a atinge lhe lançando novamente vários metros no ar e caindo pesadamente no chão.

- Abaeta... -Ela tenta se erguer sendo impedida por mais vinhas a erguendo no ar. Os espinhos lhe ferem a pele e a carne, a roupa se mancha de sangue. Ela grita de dor sem ter ninguém para a ouvir.

- Floresta idiota, me deixa sair daqui para tocar fogo em ti...

Uma vinha se enlaça em seu pescoço fazendo os gritos cessarem, as últimas palavras saem sofridas e sufocadas.

- Me desculpem... Eu falhei... - Os olhos cheios de sangue misturado a lágrimas veem o cavalo adorado ser levado para dentro da floresta ainda se debatendo. Essa é última visão que ela tem antes de cair inconsciente, falta pouco para sua morte agora.

- Já basta! Não é ela quem estamos querendo.

A voz vem de dentro da floresta, é forte, cheia de confiança e acima de tudo é feminina. Os movimentos da floresta cessam. A mulher aparece mostrando uma beleza exótica. Ela sem dúvida possui traços humanos, sua fisionomia e fisiologia são comuns às das mulheres humanas, mas a pele possui um tom esverdeado, seu corpo uma musculatura pouco característica e sua vestimenta é bastante sombria. A aparência deixa claro que ali esta alguém entendida nas artes negras, mas ainda assim a mulher é bela.

- Podem deixá-la aí. Em breve virão buscá-la, se estiver viva até lá ou não já não é problema nosso. - Ela olha e reconhece o corpo que começa a ser abaixado lentamente ainda inconsciente e sangrando bastante.

- Voltem para a floresta e mantenham-se atentos. O verdadeiro inimigo ainda está por vir e devemos estar preparados. - A mulher se recolhe novamente para a sombra da floresta com as vinhas e galhos a acompanhando e então tudo cessa.

O corpo ainda caído na estrada derrama sangue pelos muitos ferimentos, enquanto no céu o sol já quase se pondo revela a figura de um belo pássaro observando tudo e ao ter certeza do que acaba de ver voa desesperado rumo ao norte.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPITULO 3

UM RETORNO MUITO ESPERADO.

 

- Ela não devia ter ido sozinha, você não devia ter permitido!

O rapaz está furioso, a aparência muito abatida e alguns ferimentos ainda frescos em seu rosto demonstram dificuldades pelas quais deve ter passado. Apesar de jovem -O mais jovem dentre as várias pessoas na sala.- todos os presentes o respeitam, seu olhar passa por todos, mas sua atenção se dirige a uma mulher, com feições firmes e vigorosas que contradizem sua idade, sua vestimenta cheia de símbolos demonstra que ali está uma sacerdotisa das artes brancas.

A mulher se apoia em um cajado de madeira rústica cheio de partes nodosas, o olhar sério encara o rapaz, sua respiração esta um pouco alterada. Ela também está aborrecida, mas pela posição que ocupa se vê forçada a conter suas emoções.

- Me desculpe, mas não vejo o que eu poderia fazer. Conhece sua irmã, sabe que não teria como detê-la. - Ela responde demonstrando um grande esforço para se controlar.

- E além do que se o perigo for tão iminente como se acredita, seria imprudente deixarmos o vilarejo desprotegido. - Um homem alto com cabelos longos, lisos e muito amarelos deixando amostra as orelhas longas e pontudas é quem fala. Sua voz é muito suave como se estivesse cantando, porem o olhar e as feições do garoto continuam ferozes.

- Você Amiel, como elfo que é, pode enxergar os horizontes mais distantes, mas não pode ver que seria suicídio permitir que Tamar fizesse uma viagem dessa sozinha? Minha avó teria ido no lugar dela, mas não teria permitido tamanha atrocidade. - O jovem fala olhando para cada um dos presentes, mas no fim se detém novamente na mulher idosa.

- Eu não sou Teles, o poder de sua avó é inimaginável, não poderia tomar tais decisões, pois minhas habilidades não se comparam as dela. - A sacerdotisa está em seu limite, já não conseguindo se conter.

- Isso se torna cada vez mais aparente Tamia, o cristal se enfraquecendo, os demônios de Aziguiner se aproximando e agora provavelmente minha irmã morta. - A provocação do rapaz finalmente surte efeito, aquilo foi a gota d'água.

- Basta Yule! Sou sua mestra, exijo que me respeite!

- Minha mestra?! Faz algum tempo que você não me ensina coisas novas, talvez tenha chego ao seu limite...

- Ou talvez você não esteja pronto para aprender coisas novas. Pelo menos é o que demonstra sua atitude. Sua irmã sabia os riscos que corria e quis poupar os outros desse perigo. Garanto que eu gostaria de tê-la acompanhado, mas ao contrário de você eu sou responsável pelo bem estar dessas pessoas. Sou responsável pela segurança e pela vida de meu povo!

Os dois se mantêm em posição hostil, um clima muito pesado e perigoso toma conta do lugar.

- Chega! Talvez devêssemos parar de perder tempo com essa discussão e começar a fazer algo. - As palavras do homem de corpo volumoso e braços largos fazem Yule e Tamia acordarem para a presença das outras pessoas no lugar.

- Sim! Perfeito, finalmente alguém com juízo aqui. Você está certíssimo mestre Ville. - Uma mulher de meia idade é quem fala agora, a pele escura e um tanto suja de terra demonstram uma bela e sensual mulher de meia idade.

- Chega de discussão em minha casa, Tamar está viva com certeza e de qualquer forma cuidarei para que receba o devido tratamento quando retornar, o que me leva a outra questão, as ervas de Serra Leão. Creio que são essas que você está quase estragando de tanto apertar... - Ela fala olhando direto para Yule, o rapaz se sobressalta ao perceber que era com ele que estavam falando, só agora se dando conta das plantas que está espremendo.

- Sim... O motivo de minha ausência. Essas eram as últimas. Agora só no fim da próxima estação.

As ervas são separadas em uma área ao fundo junto a vários frascos. O ambiente em si parece muito fora do comum. As paredes são cobertas por plantas, o chão é de terra batida e em vários lugares se estendem longas esteiras de bambu fino com muitas almofadas por cima.

- Não tem problema, essas serão suficientes até a próxima safra, agora falta Wil voltar com os outros materiais.

Todos ficam pensativos quando o nome é citado. Parece que chegaram a um assunto que os vem incomodando. O clima se torna mais obscuro dessa vez atingindo todos no ambiente.

- Quanto tempo será que ele ainda leva? - É outra mulher quem fala, essa é a mais jovem e sem dúvida a mais bela ali presente, tem pele morena, cabelos longos e negros, boca carnuda e olhos castanhos muito claros.

- Já se passam quase um mês, ele deveria ter voltado há duas semanas. Com certeza aconteceu algum imprevisto. - Diz Ville.

- Wil não me preocupa, tem mais chances de se virar naquela floresta do que todos nós juntos. Além do que ele já esteve bem mais atrasado antes. Devemos nos preocupar é com Tamar e pensar em como vamos fazer para trazer a arqueira de volta. - diz Alexander, um homem pequeno e de corpo volumoso, tendo pouco menos de um metro e quarenta de altura e a pele muito clara o homem não nega sua origem ficando bem claro que ali temos um descendente da linhagem dos anões.

- Não podemos permitir que o vilarejo fique desprotegido, não me leve a mal Alexander precisamos cavalgar muito rápido e você sendo um anão pode entender muito de pedras e minas, mas domina bem pouco as técnicas de montaria.

O anão infla o peito e fala: - Com toda a certeza minha querida Alinne, não pretendo me aventurar nessa jornada, serei bem mais útil aqui cuidando de nossas defesas.

- Pois eu lhe farei companhia meu pequeno amigo. - diz Ville, apertando fortemente o ombro do anão.

- Não vou sacrificar meu estimado Carflux em uma cavalgada veloz tendo de suportar meu peso. - Ele fala sorrindo e dando palmadinhas na barriga avulsa.

- Pois bem então nós devemos ir de uma vez. Já perdemos tempo demais. - Yule fala indo em direção à porta e sendo seguido pelos outros.

Do lado de fora da casa o sol ilumina um belo e grandioso vilarejo de formato circular tendo ao sul um grande muro que o cerca de ponta a ponta com um grande e imponente portão no centro. Ao norte uma imensa praia se perde de vista com um vasto oceano se prolongando até onde dá para ver e ali no centro de tudo uma imensa fonte com a figura de uma imponente loba junto com aliados defensores do dia sobrepujando guerreiros das raças da noite. Entre a fonte e a praia está a maior das construções, um imenso templo de pedra com aparência misteriosa e bela, ele se diferencia completamente da maioria das casas que são de uma forma geral muito simples.

- Temos de fazer alguma coisa... - O homem idoso fala cercado por um grupo numeroso de pessoas, na maioria humanos, mas também havia alguns anões e até mesmo elfos um pouco mais afastados.

- Sem dúvida que sim. Daltivo esta certo, as coisas estão indo de mal a pior e podem me dizer o que quiserem, mas não vejo como essa situação pode ser resolvida. - Um anão de barba vermelha e aparência de poucos amigos é quem fala recebendo grande apoio da maioria presente.

-O cristal está enfraquecido e a devoradora de almas esta mais forte que nunca. Ao que tudo indica já até reuniu seu exército demoníaco para nos eliminar de uma vez. Defendemos essa terra por tempo demais. Mantivemos nossa palavra com o grande Tunnact-Clan, mas agora digo que já chega. Dessa vez terá de ser a necromante ou nós! - Daltivo é quem fala novamente.

Um grito de apoio toma conta das pessoas, enquanto Tamia e os outros guerreiros chegam bem em tempo de presenciar a cena.

- Daltivo está novamente incitando as pessoas. - Ville o olha com um olhar desgostoso.

- Talvez fosse melhor o determos. - Fala Alinne, como se a idéia muito a agradasse.

- Não devemos perder tempo com isso. Ele é um problema pequeno que pode ser ignorado por enquanto. - Responde Tamia. 

- Esses são justamente os problemas que não podemos ignorar, aquilo que insistimos em ignorar mais tarde é o que vem nos derrubar. - Responde Yule.

- Pois independente de qualquer coisa não vou permitir que os de minha família participem de tamanha baixaria. Nenhum anão vai manchar a imagem do grande Aquim. - Alexander olha para a estátua de um anão com aparência soberana segurando um machado junto à loba na fonte atrás de Daltivo.

- Espere. Quero ver o que vai acontecer agora. - Ville fala ao observar um elfo se aproximar de Daltivo.

- E o que o grande sábio Daltivo pretende fazer, então? - O elfo fala com a voz carregada de desdém.

- Enfrentá-la! - Daltivo responde e o elfo segura com alguma dificuldade o riso logo se virando para se juntar a seu grupo.

- Vamos embora. Isso é uma perda de tempo. - Ele fala para os outros elfos.

Porem, antes que o grupo fosse embora, surge Helmetty dizendo:

- Então você pretende derrotar a necromante? - A voz surge afastada da multidão. Todos se viram muito surpresos e alguns até mesmo assustados.

A aparência causa certo medo em quem o vê, sua pele azul claro um pouco pálida, as orelhas pontiagudas se assemelhando às de um elfo, o corpo em si se assemelha muito ao do elfo Amiel, mas a pele e as feições de Helmetty são completamente sombrias, ele aparenta ser uma criatura tomada pelas trevas, sua roupa é negra e seu cabelo é branco disperso e desarrumado, seus olhos são largos e finos com a íris cor vermelho sangue. Apesar de tudo isso Helmetty tem uma beleza sombria, mas ainda assim definitivamente não parece ser o tipo de pessoa em quem se possa confiar.

- Não me faça rir velhote. - A maioria das pessoas chega até a recuar conforme o elfo negro se aproxima, mas algumas outras parecem furiosas com a simples presença da figura, principalmente os anões e os elfos brancos.

- Não se meta nisso demônio caído! - Daltivo responde agressivamente.

- É mesmo. Isso não é da sua conta. - Responde o anão de barba vermelha.

- É melhor interferirmos antes que alguém se fira. - Tamia fala preocupada, mas dessa vez é Yule quem a impede.

- Não! Eu quero ver onde isso vai dar. - Ele olha muito interessado para o elfo negro.

- Tem toda razão. Suas mortes não são de minha conta. Mas já que pretendem atacar a necromante por que não começam treinando comigo? - A provocação deixa os outros a ponto de avançar.

"Treinando com ele? O que diabos esse demônio quer dizer?". O elfo branco que aparenta liderar o pequeno grupo elfico pensa preocupado. "Não gosto do rumo que isso está tomando. Por que agora o elfo negro está tomando essa atitude? Helmetty é sem duvida uma ameaça tão grande quanto à própria Frender."

- Isso mesmo. Demônio por demônio qual a diferença não é mesmo? Já que estão tão dispostos para a batalha por que não vem agora, aqui mesmo contra mim? - Helmetty puxa uma espada de lamina negra com tamanha velocidade que faz Daltivo cair para trás de susto.

- Está ficando perigoso. Helmetty pode acabar ferindo alguém. - Ville fica preocupado.

- Não! Ele não irá ferir ninguém. Só está dando uma lição em Daltivo, uma lição a qual ele bem merece. - Yule fala enquanto Helmetty avança na direção de Daltivo que continua caído no chão. As pessoas se afastam conforme ele se aproxima e Daltivo rasteja tentando se livrar.

- Você ainda a pouco parecia muito disposto a enfrentar a própria necromante, mas rasteja em minha frente.

- Vá embora, seu demônio! Você não é diferente dela! -Daltivo grita desesperado.

- Sou sim muito diferente de Frender, pois ela é na realidade muito pior que eu. - As pessoas gelam ao ouvir aquilo.

- Até hoje vocês só enfrentaram os soldados da necromante, reles piões insignificantes, mesmo as criaturas de nível médio nunca entraram na batalha. Mas dessa vez será diferente, vocês enfrentarão a própria necromante, vocês enfrentaram a própria morte!

- As pessoas recuam mais ainda, o medo se torna pânico. Algumas entram em estado de choque, aparentemente a voz de Helmetty causa um efeito na mente de todos a sua volta. Até mesmo os elfos brancos ficam muito perturbados.

- Se vocês continuarem rastejando desse jeito ao enfrentar a necromante, então é preferível que venham até mim e eu pelo menos os darei uma morte rápida e pouco dolorosa diferente do terror sem fim que irão enfrentar nas mãos da chamada devoradora de alma.

- Já chega! - Tamia finalmente surge no meio da multidão acompanhada pelos outros. O caminho se abre até a fonte e a sacerdotisa fica de frente para o elfo negro. - Acredito que já baste, Helmetty! Creio que todos já tenhamos entendido, mas muito obrigada pela sua explicação. - Helmetty guarda a lamina negra e encara o grupo com ar superior.

- É claro, logo nota-se o quanto estão preparados e como compreendem bem a situação. Imagino que agora estejam indo atrás da jovem e tola arqueira. 

- Como sempre, imagina muito bem. - Tamia responde calmamente.

- Deveria usar esse seu dom tão nato de adivinhação para nos dizer como a Frender vai atacar. - Debocha Alexander.

- Hum... Alguém tem de corrigir as besteiras por aqui não é? Mas me pergunto se a vida da jovem vale a dos grandes generais da guerra. -Helmetty responde ignorando o comentário de Alexander.

- Não iremos todos. - Tamia responde agora secamente.

- Entendo. Afinal não queremos deixar o vilarejo desprotegido não é mesmo?

- É claro. - Tamia responde agora de cara fechada.

- Podíamos deixar você tomando conta de tudo não é Helmetty?! - Yule fala sorrindo de um jeito cínico. - Pelo menos assim não precisaríamos nos preocupar com a necromante. Afinal você já teria matado todos até voltarmos não é verdade? - Ele ri, mas as pessoas ao redor ficam muito sérias não sabendo como reagir, ou melhor, esperando a reação de Helmetty.

- Belas palavras jovem Yule. Pena que sua irmã não tenha podido ouvi-las, talvez se você não estivesse tão ocupado se divertindo nas montanhas, ela não teria precisado sair sozinha não é mesmo? Mas eu devo estar enganado, afinal se vocês tem tanto tempo para ficar discutindo comigo então a coisa não deve ser tão séria quanto imaginava. - Todos despertam com aquelas palavras acordando para a urgência de ir resgatar Tamar.

- E quanto a você Alexander, não preciso usar de adivinhação para prever o seu futuro, creio que ele já esteja bastante claro. A não ser que os anões sejam mais cegos e burros do que eu imaginava e não consigam enxergar algo tão obvio. - Alexander avança contra o elfo negro, mas é detido por Amiel que encara Helmetty agressivamente.

-Amiel o senhor dos elfos brancos, pelo menos dos do vale de Dália, os poucos que restaram.

- Ora seu... - É Amiel quem avança furioso agora, Helmetty não fica atrás e também se coloca em posição de luta.

- Que tal pararem com a criancice? - Eles param der repente ao ouvir a voz jovem, inocente e graciosa. Uma garota de cabelos loiros muito fortes aparece com seu jeito risonho, como se tudo estivesse na mais perfeita paz.

- Brida? - Amiel a olha meio confuso, o sentimento de raiva desapareceu tão repentinamente quanto surgiu. Helmetty larga o cabo da espada e se vira pronto para ir embora.

- Vocês não valem a pena mesmo. - Ele fala antes de seguir rumo à praia no fim do vilarejo.

- Tamar precisando de ajuda e vocês aqui discutindo desse jeito... Francamente se é assim que pretendem agir, mas antes a deixar onde está e desistirmos de uma vez!

É incrível. Ninguém que ouvisse poderia imaginar que aquelas palavras poderiam vir de uma boca tão pequena ou de um ser tão jovem. Brida não deve ser mais velha que Yule, mas todos a escutam envergonhados.

- A pequena sonhadora ai tem razão. Temos de ir. - Yule fala sorrindo.

- Tente não criar mais problemas Daltivo. Já bastam os que temos! - Ville fala muito severo com o homem ainda caído no chão.

As pessoas os olham se afastar rumo ao portão. Algumas ficam de longe e outras poucas se aproximam para falar com o grupo.

- Yule... O que aconteceu? Você conseguiu encontrar o material do feitiço?

Um jovem rapaz de cabelo cinza pálido se aproxima do grupo acompanhado de outro de pele escura e cabelo bastante curto junto a uma garota de cabelos castanhos e grossos.

- Consegui, mas foi um pouco mais difícil do que esperava. Só espero que tenha valido a pena.- Ele olha rapidamente para o pequeno e jovem grupo. 

- Vai valer, tu vai ver só, a Samantha é mestra nesse tipo de coisa. - O rapaz de pele negra é quem fala. Em resposta Yule apenas balança a cabeça positivamente, aquele assunto não o interessa tanto naquele momento.

- E Tamar? Vocês estão mesmo indo atrás dela?- É a garota de cabelos castanhos quem fala parecendo bem aflita.

- Sim. - Ele responde com o olhar fixo em um cavalo não muito distante.

- E você acha que ela está bem? Vão todos vocês juntos?

- Estamos indo atrás dela, mas não vamos todos.

- Então aconteceu mesmo alguma coisa?! - Torna a falar o rapaz de cabelo cinza.

- Não sei Rafá, mas é o que vamos descobrir.

- Mas espera aí, quem de vocês vai ficar cuidando da segurança do vilarejo caso aqueles bichos resolvam atacar?

- Por enquanto não se preocupe com isso Jhony, o feitiço de Zintuim pode estar fraco, mas ainda funciona, além disso Alexander e Ville também vão ficar por aqui cuidando de tudo e ainda temos, bem ou mal, o Helmetty. Acho que vocês viram a cena não é? - Yule olha para o elfo negro na praia agora afastado de todos.

- Vimos sim, o que ele fez foi cruel. - A garota fala ainda meio nervosa.

- Não foi não! Nada do que o Helmetty disse era mentira. Infelizmente ele tem toda a razão, se continuar desse jeito nosso tempo nesse lugar logo acabará. - Os três ficam muito aflitos, ver Yule falando daquele jeito causa um grande medo. 

- Mesmo assim. Ter de confiar em um elfo caído? Prefiro confiar em Frender, ela pelo menos eu sei de que lado está. - Jhony olha com certo desdém para Helmetty que os ignora completamente ainda de braços cruzados e olhos fixos no vazio.

- Helmetty quer viver tanto quanto qualquer um de nós e para isso vai ter de derrotar nosso inimigo... Se vivermos ele vive. - Yule responde já montado no cavalo que antes observava de longe.

- O inimigo de nosso inimigo é nosso amigo. - Fala Novamente a garota.

- Isso mesmo Laura. - Responde Yule.

- Pois eu não me espantaria se ele se voltasse pro lado da Frender no momento da luta. É isso que está todo mundo falando que vai acontecer. - Fala Rafá, também olhando com desgosto para o elfo negro.

- Não fale esse tipo de coisa. Nós nem sempre podemos contar com Helmetty, mas traidor sei que ele não é. Se for preciso ele lutará, mas rezemos para que isso não seja necessário.

- Pode ter certeza que rezaremos. - Responde Jhony.

- Tome muito cuidado, não sabemos que tipo de coisa pode estar além da orla da floresta, para piorar logo vai anoitecer.

- Fique tranquila Laura, não estarei sozinho. Não se esqueçam de suas armas, elas poderão ser muito necessárias!- Ele olha para trás e vê os outros se preparando para partir.

-Que a Deusa deseje que você esteja enganado. -Tamia fala para si mesma.

- Que assim seja. - Responde Amiel, sem poder deixar de ouvir a súplica da sacerdotisa, ele olha para a montanha a oeste do vilarejo, lá no alto não muito longe está uma bela elfa com cabelos longos e muito vermelhos carregando em seu colo um bebe com a aparência muito semelhante a dele, os dois se olham por um tempo e então se cumprimentam com um movimento de cabeça e ele logo se vira para os outros.

- Prestem atenção. - É Alinne quem fala com um grupo de mais ou menos trinta homens e dez mulheres. - Alexander e Ville estarão responsáveis por vocês em minha ausência. Estejam com suas armas prontas, eles estarão ocupados com os outros grupos de defesa, então vocês devem reunir os outros e tomar frente na batalha caso seja necessário, ganhem tempo suficiente para que possamos voltar e façam com que se abra um caminho seguro para nossa entrada. - Todos concertem com a cabeça.

- Tem certeza que não seria melhor que alguns de nós os acompanhassem? - É uma mulher tão jovem quanto Alinne quem fala.

- Tenho sim Lóren. Vocês estão responsáveis pela proteção do povo Dasling. Honrem esse nome e cuidem para que nada de mal aconteça a nossa gente. - O cavalo de Alinne se agita e ela segue para se juntar aos outros.

- Cuidem das coisas por aqui, se tudo der certo, e vai dar, estaremos de volta antes do amanhecer. - Amiel fala com Alexander e Ville.

- Preocupem-se com vocês, Alexander e eu estaremos esperando por todos com um banquete em comemoração ao retorno de Tamar. - Responde Ville com um grande sorriso no rosto.

- Que assim seja. Que Mutter-Nathur nos proteja a todos. - Responde Tamia bondosamente.

- Que assim seja! - Todos gritam animados.

Fora do vilarejo segue em cavalgada o mais belo dos cavalos passando como um raio branco entre as árvores tamanha é a velocidade de seu galopar. Montado na cela um belo e jovem rapaz o guia com grande determinação, em seu rosto se misturam a preocupação e a ansiedade. Algo o assustou bastante e ele não parece ser do tipo que se assusta com pouca coisa.

- Belt, é a orla da floresta. Estamos perto. - Ele se inclina ainda mais, fazendo com que a velocidade do cavalo aumente e o torne apenas um borrão na mata cada vez menos densa.

A luz do sol à frente tornas-se cada vez mais intensa, até que finalmente eles a ultrapassam saindo da floresta e entrando em um campo aberto onde ao fim um grande muro bem alto se estende da esquerda para a direita protegendo uma cidade que abriga inúmeros humanos, anões e elfos.

Ele segue rodeando uma plantação até chegar a uma estrada de terra se estendendo da floresta até o portão do muro.

Várias pessoas estão recolhendo frutos e legumes ao longo da plantação e ao vê-lo correm em disparada acenando e se apressando para alcançá-lo. O dia já estava acabando e nesses tempos tem se tornado ainda mais perigoso ficar fora do muro ao anoitecer.

O rapaz não dá muita atenção às pessoas a sua volta, pois coisas mais urgentes precisam ser feitas no momento.

Ao chegar no meio do caminho ele escuta vindo do céu o piar agudo da bela ave prateada que voava onde Tamar caiu ferida. A ave ao enxergá-lo desce a seu lado enquanto o galopar de Belt continua acelerado.

- Feu. A ave Toten da Tamia. Feu o que está havendo?  -A ave dá um piado longo e triste levantando voo para além do muro em frente.

- Isso não é nada bom. Vamos Belt a toda força.

Enquanto ele acelera a chegada, dentro do vilarejo todos estão prontos para a saída.

- Estamos saindo os quatro daqui e voltaremos cinco e todos bem. Tenham certeza disso. - Nem bem Yule acaba de falar, surge um piar vindo do céu chamando a atenção de todos. A ave prateada é de uma beleza imponente, grande e ameaçadora.

- Feu! - Tamia se surpreende ao ver a ave vindo em sua direção. As pessoas se agitam com a aproximação, todos querem saber o que está acontecendo.

Feu pousa no braço direito da sacerdotisa firmando suas patas.

- O que aconteceu, Feu? Que notícias me traz? - Tamia posiciona a ave deixando-a frente a frente com seus olhos. A intensidade do olhar faz parecer que tanto a íris dos olhos de Feu quanto as de Tamia tomem a mesma forma.

Ambos ficam assim por alguns segundos até que a ave pia novamente, voando em seguida. Tamia desperta do transe quando ouve o piar de Feu. Ela puxa as rédeas do cavalo de forma agitada e olha para os outros.

- Temos de ir, Feu nos guia. Tamar está em perigo. - É só o que se consegue escutar antes de a sacerdotisa partir em disparada com seu cavalo. Os outros nem sequer questionam as palavras de Tamia e sem dar maiores explicações saem desabalados portão a fora.

Os quatro montados em seus cavalos seguem em um ritmo alucinante, mas uma visão não muito distante dali faz com que seus corações praticamente parem. Não havia como estarem enganados, aquele vindo em direção ao vilarejo só podia ser uma pessoa.

- Wil! - Alinne se surpreende ao ver o rapaz se aproximar e solta em disparada, sem esperar pelos outros.

- Alinne! - Wil quase não se controla, disparando ao encontro da garota, uma alegria que ele não sentia há muito tempo invade seu peito.

Os dois finalmente se encontram, segundos depois estão se abraçando sem nem mesmo desmontar de seus cavalos, os abraços seguem por beijos frenéticos como se não acreditassem estar ali, se temessem não ter aquela chance de novo.

- Você veio... Juro que te mato se me deixar esperando desse jeito de novo. -Uma mistura de alivio e aborrecimento em cada palavra.

- Começo a pensar que a floresta não é tão ruim assim. - Ele sorri.

- Você está bem? Está tudo bem?

- Estou vivo, isso por enquanto é suficiente.

- Estávamos preocupados com você... - Nesse momento os outros membros do grupo os alcançam.

- Wil, graças a Deusa você chegou e não podia ser em melhor momento, estamos quase sem tempo. - O galopar dos cavalos cessa enquanto Tamia fala.

- O que está acontecendo? Feu passou por mim agitado e o que estão fazendo montados a essa hora? Onde estão indo?

- Tamar foi em busca dos cavaleiros de Tácera e dos líderes dos povos vizinhos, muitos perigos tem surgido ultimamente. Já estávamos preocupados e agora Feu veio nos avisar que ela foi atacada no caminho e está muito ferida. Ela queria esperar que você voltasse, mas como demorava demais decidiu ir sozinha. Mandei Feu levar uma mensagem ao senhor dos cavalos de Tácera e ele a avistou caída muito ferida no caminho a algumas horas daqui.

- Estávamos indo resgatá-la se é que ainda temos tempo pra isso. - É Yule quem fala olhando muito sério de Tamia para Wil, seu olhar ainda cheio de raiva demonstra um profundo desagrado, talvez culpando Wil por sua demora.

Todos olham de forma séria e aflita para Wil como se esperassem uma solução para os problemas.

- Entendo... Nesse caso não temos tempo a perder, mas não iremos todos, apenas Tamia e Yule seguirão comigo.

- O quê? Por que isso? - Alinne é a primeira a se manifestar.

- Todos queremos ajudar. - Amiel também protesta, embora de forma mais controlada.

- Não duvido de suas intenções, mas nesse momento o vilarejo está precisando de muito mais proteção que Tamar, se o deixarmos desprotegido é possível que as coisas fiquem muito mais complicadas. Acreditem no que digo, a floresta está muito agitada, fui seguido por criaturas medonhas até poucas milhas daqui. Receio que mesmo com a proteção de Zintuim elas possam tentar um ataque.

- O feitiço de Zintuim está enfraquecendo. Temos sofrido ataques constantes nas regiões próximas às plantações, na verdade no momento acredito que já estejamos cercados, presos nesse lugar. Me deixa ir contigo... - Ela fala em voz baixa muito próxima a ele em um tom de súplica. As palavras de Alinne soam claramente e por um momento o coração de Wil dá um salto descompassado causando um estranho aperto em seu peito.

- A floresta está perigosa demais, Yule tem razão talvez já nem haja tempo para Tamar. Não posso arriscar você também, por favor, fique e cuide para que meu retorno seja seguro. - Ele fala em seu ouvido em um tom cheio de carinho, enquanto Alinne passa o nariz em seu rosto prendendo as mãos em sua cabeça de olhos fechados em uma caricia muito íntima.

- Sei o quanto tu é forte, mas não me faz passar por essa espera de novo.

- Vou voltar... Tenho de resolver essa situação, mas vou voltar e quando voltar preciso que esteja preparada por que as coisas vão ficar bem complicadas.

- Cuidarei para que tudo esteja em ordem quando vocês voltarem.

- Então nada mais me preocupa.

- Deixem todos no muro avisados e de guarda, estejam prontos para abrir o portão quando voltarmos, talvez tenhamos companhia. - Todos consentem com um movimento de cabeça, Wil segura a mão de Alinne com força e ergue um pequeno embrulho que guardava consigo.

- Entregue isso à Samantha, diga que foi tudo que consegui. 

- Tenha cuidado.

- Não se preocupe. Cuide de tudo por mim enquanto isso. - Eles trocam um último olhar e cada um segue seu caminho sem dizer mais palavras ela e Amiel de volta para o vilarejo e os três para a estrada quase escura.

O galope alucinado dos três cavalos rompe o silencio da mata. A ave Feu segue do céu com seus olhos astutos vigiando tudo. Para ela a noite é como um dia claro, se algum inimigo se aproximar ela saberá.

Do alto se vê os três cavalos em alta velocidade, Belt se destaca a frente seguido de perto por Tamia e Yule.

- O que aconteceu na floresta? - É Yule quem fala ao parear Belt. Tamia também se aproxima para escutar a conversa. Eles já estão cavalgando a mais de uma hora sempre atentos a qualquer movimento.

- Fui atacado várias vezes, tentei retornar pro vilarejo faz duas semanas, mas havia um grande movimento de criaturas em Aziguiner. A própria floresta parece mais viva que nunca.

- Para onde estavam indo as criaturas? - Tamia eleva a voz assim como Wil para superar o som que os cavalos produzem.

- Para todos os cantos e vindo de todas as partes. Eles parecem meio perturbados, algo muito grande está para acontecer.

- Acha que eles podem nos atacar? - Pergunta Yule.

- Estão se preparando para atacar algo, se somos nós eu não sei, mas não querem ninguém por perto enquanto se organizam. E o que esta havendo com Zintuim?

- O cristal esta enfraquecendo. Não sei o porquê e menos ainda como reverter. - Tamia fica um pouco desconcertada afinal ela é a sacerdotisa daquele povo e o cristal de Zintuim é desde vários anos a maior proteção do vilarejo e cabe a ela zelar por essa proteção.

Wil fica pensativo por um tempo. O olhar perdido em reflexões percebendo o mal estar de Tamia e definitivamente não deseja que a sacerdotisa sinta-se culpada naquele momento tão importante e difícil, pois de uma coisa não há duvida, vai precisar de ajuda para enfrentar o que está por vir.

- Cuidamos do cristal depois, vocês não deviam ter deixado Tamar sair sozinha. Quando você voltou Yule?

- Há poucas horas. Quando cheguei minha irmã já havia partido, caso contrário não teria permitido que saísse, mesmo que tivesse que prendê-la no templo pra isso.

- Tenho certeza que Tamar não facilitaria em nada você fazer isso, mas realmente ela deveria ter sido detida. Colocou a vida dela e de outras pessoas em risco. Por que você não a acompanhou Tamia?

- Eu bem que gostaria, mas ela não permitiu não deixou que ninguém a acompanhasse.

- Isso é muito estranho, Tamar pode ser cabeça dura, mas não é irresponsável a esse ponto. Deve haver outro motivo para ela querer vir sozinha.

- Não sei de nada sobre isso, só sei que se as coisas continuarem desse jeito nossa situação se tornará ainda mais difícil, já que todos fazem o que bem entendem. Se uma pessoa decide sair sozinha só para morrer e nós não fazemos nada para impedir, então em breve não haverá muito mais pelo que lutar. - Wil olha para Yule que por sua vez encara Tamia. Ele logo percebe que os dois tem se desentendido e que uma nova briga se aproxima. 

- Cada um tem direito de escolha sobre seus atos, Yule! Não posso ficar interferindo no desejo dos outros. A Deusa nos deu livre arbítrio para que pudéssemos crescer livres.

- Se você não for firme e encarar a real situação em que estamos então não irão sobrar muitos direitos para interferir. Você defendeu por tanto tempo a vida que acabou se apegando demais a ela, você está se tornando uma covarde, Tamia!

Wil durante toda a conversa só destinou metade de sua atenção à discussão entre os dois, pois precisava estar atento a qualquer movimento suspeito vindo da mata, mas se surpreende e se volta totalmente para os dois ao ouvir as últimas palavras de Yule, não entende o que pode ter acontecido para o rapaz agir daquela forma. Yule sempre respeitou muito a todos e aquele definitivamente não era o comportamento normal do garoto. 

Tamia fica sem palavras frente à atitude de Yule, ela gostaria de ter respondido algo, mas a confusão em sua mente é tamanha que prefere se afastar seguindo em frente um pouco afastada dos outros dois.

- Você não devia ter agido daquela forma. Sabe que o que disse não é verdade, por que está fazendo isso?

- Você não entende não é Wil?! A necromante está a ponto de nos eliminar e Tamia está presa de mais à imagem da Deusa como símbolo de vida. O que enfrentaremos agora é algo muito pior que a morte e dessa vez não teremos minha avó do nosso lado, Tamia será nossa maior esperança é nela que teremos de confiar se quisermos continuar vivos.

- Mas para isso ela precisa estar com o espírito preparado. - Wil reflete sobre as palavras do jovem guerreiro.

- Tamia ainda pensa estar voando, mas na verdade está em uma queda livre em um desfiladeiro profundo e quando acordar para a realidade será tarde demais.

- E todo povo Dasling terá caído com ela. O que você diz faz muito sentido, se Tamia não acordar agora para o perigo que nos cerca quando abrir os olhos pode ser tarde demais. - Wil olha por um momento para a sacerdotisa que segue um pouco afastada dos dois.

- Ela possui um grande potencial, minha avó viu isso e eu confio no julgamento de Teles, mas se Tamia não tomar frente na batalha, se não correr os riscos e principalmente se continuar a agir como a sacerdotisa da natureza, que na verdade é o que ela é então não haverá mais esperança para nós.

Teles foi a última mestra de Tamia, mas a mais importante sem dúvida foi Batula. Preciso fazer com que ela se lembre dos ensinamentos que Batula lhe passou.

- A sacerdotisa guerreira, era assim que Batula era conhecida. Tamia já é uma sacerdotisa melhor até do que poderíamos esperar, Teles cuidou disso, agora precisamos despertar o lado guerreiro que Batula a ensinou. Tamia pode não ser tão poderosa quanto Teles ou Batula, mas ela é poderosa a seu modo, possui habilidades próprias que nenhuma das outras duas possuíam e também possui uma forma própria de encarar os problemas. Fazê-la agir como Batula ou compará-la a Teles talvez seja um erro.

- Pode até ser, mas você tem de concordar que ela precisa despertar pra dimensão do perigo. Eu estive nas montanhas e você na floresta então sabe do que estou falando.

- Sim, nisso sem dúvida você tem razão.

- Aquelas pessoas vão morrer Wil e nós também e até agora não vejo nada que possa nos livrar desse destino.

- Também não consigo enxergar saídas e nosso tempo é muito menor do que se possa imaginar.

- Não temos mais a quem recorrer, nossa esperança é sem duvida Tamia, mas ela precisará de ajuda.

- Se essa é tua forma de ajudar, então espero nunca precisar de ti. - Yule sorri pela primeira vez desde que retornou ao vilarejo de Sammyla.

Não muito tempo depois Feu avista o corpo de Tamar algumas milhas à frente e ela não está sozinha, o sangue que caia de seu corpo atraiu uma criatura que no momento se aproxima muito cuidadosamente.

A criatura se assemelha a um cão, só que muitas vezes maior, com a pele azul e grossa, dois longos e grossos chifres negros na cabeça e uma chama de fogo vermelho se mostra sempre que respira abrindo a boca.

Feu dá um alto pio avisando sua mestra e os outros do perigo à frente, em seguida mergulha para proteger o corpo ferido e inconsciente de Tamar.

A criatura lá em baixo ouve a ave e se adianta no ataque, preparando-se para devorar a moça.

Bem atrás na estrada os três também ouvem o aviso de Feu.

- Problemas. Vamos! - Sem dizer mais nada os três partem em disparada enquanto Feu se lança entre a mulher inconsciente e a fera sedenta por carne.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPITULO 4

O CAIR DA NOITE

 

Ela escuta as ondas do oceano de Dante se quebrando na praia lá longe, a visão perdida em um horizonte desconhecido. Seu pensamento vaga distante mais ou menos em uma estrada a algumas milhas de distância floresta adentro. Lá longe muitas nuvens encobrem o céu, mas ali no corredor superior do muro de Sammyla a lua domina o céu grandioso.

- Seus pensamentos vagam longe não é jovem guerreira? - Ville se aproxima quase sem ser percebido, o rosto sorridente e amigo contraria o corpo volumoso e rígido digno de um guerreiro bárbaro.

- Sim mestre Ville, meu pensamento esta nesse momento a algumas horas de cavalgada mata adentro. - Alinne tem a voz pesada e cheia de sentimento, uma grande angustia toma seu coração misturada a uma dor a muito contida.

-Você suportou coisas demais nessa vida minha filha. Os últimos dias em particular tem sido bastante difíceis. Percebi que você não tem dormido absolutamente nada nas últimas três noites.

- Eu tenho tentado, meu corpo até mesmo me pede descanso, mas minha mente não para de trabalhar um momento e meus pensamentos não param de me atormentar.

- Tudo isso por Wil?

- Sim... Sinto um aperto mestre Ville, uma angustia só de pensar que algo possa acontecer a ele, sempre que Wil se afasta esta levando uma parte de mim e enquanto ele não volta eu permaneço aflita e incompleta.

- Posso entender muito bem seus sentimentos. Você como muitos dos nossos perdeu entes queridos nos vários combates que tivemos para defender nossa tão amada terra. Em seu caso a perda tornou-se muito maior. Toda sua família perdida e a dor de ver seu povo a beira da destruição tantas vezes devem deixar marcas profundas.

- Wil sempre foi quem esteve a meu lado, mesmo antes de toda essa dor e desgraça foi ele quem me apoiou. Meu amor por ele e o amor dele por mim me mantiveram viva depois da última batalha contra a necromante. Eu já não possuía mais nada mestre, me agarrei a ele como objetivo de vida.

- Hum... Então deveria se alegrar minha adorada. Seu amado está de volta e em breve estarão juntos novamente.

- Mas por quanto tempo mestre Ville?... Até que outra ameaça surja e precisemos lutar por nossas vidas novamente? Até que o destino nos separe mais uma vez? Por quanto tempo será isso?

- E isso importa? Sabe, um grande amor pode se consumir aos poucos durante toda uma vida ou se queimar todo de uma única vez e ainda assim não deixar de ser grandioso.

 O tempo que leva para um amor se acabar não diminui seu tamanho. Ele pode ser grande e durar por muitos anos ou ele pode ser igualmente grande e durar apenas uma noite.

Ville sorri gostosamente sendo acompanhado por Tamar.

- Você tem razão...  Obrigada. Muito obrigada! -Ela o abraça inesperadamente, quase lagrimando. Ville apenas sorri frente à reação de Alinne.

- Minha jovem Alinne, tenho grandes esperanças de que Wil, Yule e Tamia vão trazer Tamar a salvo e você terá tempo para curtir seu amor da devida forma.

- Está certo mestre Ville, se não pudermos acreditar naqueles três em quem poderemos, não é mesmo?

- Sem dúvida. Tenho certeza que quando eles voltarem e estivermos todos juntos novamente estaremos prontos para qualquer problema que possa surgir. - Ville fala olhando preocupado para a torre no alto do templo de Mutter-Nathur.

- Está se referindo ao cristal não é mesmo? - Alinne também direciona sua atenção para o templo pensando no grandioso cristal amarelo que os tem protegido por esses longos anos e nesse momento encontrasse ameaçado dentro do templo trancado há alguns dias por ordem de Tamia.

- Sem dúvida que estou. Assim como bem sei que seu sono também tem sido perturbado por esse problema em particular. - Ville a encara astutamente já sabendo a resposta.

- Sim. Penso no que pode acontecer se o feitiço falhar. No tamanho do problema que enfrentaremos.

- O problema será tão grande quanto o tamanho da floresta de Aziguiner.

- Temos chance contra Frender nesse momento? Será que poderemos resistir dessa vez?

- Não sei lhe dizer qual o tamanho de nossas chances, pois não conheço a dimensão de nosso oponente, mas sei lhe dizer o tamanho da coragem desses guerreiros e seja como for, no momento da derradeira batalha eles iram lutar com suas vidas. Disso tenho certeza absoluta. - Alinne sorri bem mais aliviada depois de ter ouvido aquelas palavras.

- Você sabe mesmo o que dizer para levantar o ânimo de uma pessoa. - Ela olha com muito carinho para o grande homem a sua frente o fazendo ficar com as bochechas avermelhadas.

- Não é difícil enxergar certas coisas Alinne, basta não deixar a preocupação lhe cegar. A noite já esta muito avançada e as pessoas estão exaustas por esses dias difíceis que tivemos, mas veja quantos deles estão atentos, alertas a qualquer perigo que possa surgir.

Alinne olha ao redor e percebe que por toda parte nas sombras estão vários sentinelas ocultos nas trevas, com olhos muito atentos para o menor dos movimentos.

Ele continua: - Seus soldados estão ali entre eles, fies e disciplinados como só eles são. Você é sem duvida uma grande líder isso logo se vê pela qualidade daqueles que a seguem minha querida. Mesmo dentro das casas nesse momento as pessoas estão alertas a qualquer perigo que possa surgir e estarão prontos para lutar se preciso.

Agora que está prestando mais atenção, ela os enxerga estão todos ali, prontos pro que possa surgir. Até mesmo Amiel e Alexander conversando quase imperceptíveis na praça central do vilarejo podem ser vistos. Uma cena pouco comum para muitos, um anão e um elfo falando tão íntimos.

- Os Daslings estão mesmo prontos para a batalha. - Ela fala mais convicta.

- Não só os Daslings acredito eu, se forçar um pouco mais e enxergar na escuridão verá que em certos pontos as trevas parecem ainda mais profundas. - Ville olha mais atentamente na escuridão enxergando lá ao longe próximo à praia uma figura conhecida.

Alinne não tinha muita certeza do que Ville queria dizer, mas se esforçou para tentar enxergar algo fora do normal na direção em que ele se concentrava. Levou algum tempo, mas ela conseguiu. Seria quase impossível percebê-lo sem uma concentração muito grande. O corpo se mistura às trevas, a respiração é mínima quase não agitando o ar e ele praticamente não se move, parece uma estátua observando tudo a seu redor.

- Como conseguiu percebê-lo tão rápido? Se não fosse pela leve respiração eu teria passado completamente batida quanto à presença dele. -Ela olha impressionada para Ville.

- Você se concentrou em um fator físico, nesse caso a agitação do ar e na verdade o ar é uma excelente fonte de observação, mas a energia que desprende do corpo do elfo negro é algo muito mais tangível.

- Você está sentindo a energia dele?! - Ela está agora mais impressionada que antes.

- Sim. - Ville sorri bobamente como quem recebe um elogio inesperado. - Apesar de Helmetty não estar fazendo nenhum movimento, nesse momento ele está atento a tudo ampliando cada um de seus sentidos e isso exige certa quantidade de energia interna que pode ser identificada se você estiver com seu espírito muito alerta. Você estava distraída e pensativa por isso não notou nada, mas como pode perceber tanto Amiel quanto Alexander já o notaram.

Alinne olha para os dois que observam distraidamente o ponto onde o elfo negro se encontra.

- O que acha mestre Ville? O que acha que ele fará no momento derradeiro? Como acha que Helmetty vai reagir?

Ville pensa nas palavras de Alinne, aquela questão já havia sido levantada antes e até então não haviam tido uma resposta, se houver uma nova batalha entre os Daslings e a necromante então eles finalmente saberão.

- Helmetty viveu alguns anos na floresta junto com Frender logo depois que chegou ao vale de Dália e lutou ao lado da necromante no ultimo confronto que tivemos.

- Ele se uniu a nosso povo depois desse confronto.

- Sim e a única que sabe o real motivo do arrependimento do elfo negro é Teles. Helmetty foi aceito em nosso povo a pedido dela, não tínhamos como recusar um pedido de Teles, não depois de tudo o que aconteceu, mas apesar de ter sido aceito entre nós isso não quis dizer em momento algum que fosse um de nós realmente.

- E ele nunca fez questão de que fosse assim não é mesmo?! Na verdade ele sempre preferiu manter distancia de nosso povo.

- Sim, sim sem dúvida. Helmetty se considera superior aos Daslings ou a qualquer outra raça mesmo a dos elfos brancos.

- O que é um ultraje se considerarmos a história vergonhosa de seu povo. - Alinne fala com certo rancor e desdém na voz.

- Com certeza a história dos elfos negros não é motivo de orgulho, mas não se pode generalizar. Os elfos negros surgiram da vergonha pela traição da Deusa Ayana, mas cada um dos membros originais dessa raça possui uma história própria. Não podemos julgar todos como um só, pois desconhecemos a história de cada um como é o caso de nosso amigo Helmetty.

- Facilitaria muito ele falar um pouco sobre o assunto não é mesmo?!

- Hum... Talvez você tenha razão, mas também não seria nada agradável se ele viesse perguntar sobre a morte de seus familiares não é mesmo? - Alinne mede as palavras de Ville e chega à conclusão de que ele mais uma vez tem razão.

- Pode ser, mas isso não me interessa mesmo. Só espero que no momento decisivo ele não vá mudar de lado.

- O que acha que ele ira fazer? - Alexander esta apreensivo, a noite fria o incomoda, mas o que o incomoda mesmo é a figura do elfo negro oculto nas sombras das árvores. A simples presença dele por muito tempo tem sido motivo de grandes angustias para o anão.

- Não imagino como funcione a mente de uma criatura como Helmetty, mas conhecendo a natureza de sua raça e não posso esperar coisas boas.

- Acha então que os temores sobre ele possam se confirmar? - Alexander fica ainda mais preocupado e alerta como se Helmetty pudesse os atacar a qualquer momento.

- Está se referindo ao suposto plano de Frender?

- Sim, ao que dizem sobre a vinda dele para o vilarejo.

- Não. Não acho que Teles tenha sido tola a ponto de acreditar em uma farsa desse tipo. Eu desconheço o motivo pelo qual ela insistiu tanto para que Helmetty ficasse no vilarejo, mas não acredito que alguém como a oráculo pudesse se deixar enganar mesmo que por Frender.

- Você se esquece que a necromante enganou até mesmo a morte meu caro elfo branco.

- Sim, ao que tudo indica Frender descobriu uma forma de contornar os meios da morte, mas acredite, eu conheci Teles e ela pode ser considerada em certos pontos verdadeiramente pior que a morte.

A idéia de Helmetty estar aliado em um plano surdido com Frender para nos trair faz bastante sentido se não fosse a própria Teles quem o tivesse colocado dentro do vilarejo.

- Então acha que essa hipótese esta descartada? -Alexander se anima um pouco mais.

- Acredito no julgamento de Teles, mas como você mesmo disse. Frender foi capaz de enganar a morte não é? De qualquer forma não confio e não espero ajuda nenhuma vinda da parte dele.

- Ajuda? - Alexander ri desdenhoso olhando para a direção onde o elfo negro se encontra. - Me darei por satisfeito se ele não interferir em nada, parado como ele esta no momento esta ótimo.

- Não sei se as coisas serão exatamente assim. Primeiro tenho esperança de que tudo se resolva sem precisarmos lutar, acho que a maioria de vocês esta simplesmente ignorando essa possibilidade não é mesmo? - Alexander o olha como se aquilo fosse simplesmente assombroso. A idéia de não precisar lutar simplesmente não havia lhe ocorrido.

- Não lutar? Realmente essa possibilidade ainda existe não é mesmo?

- Sim. Muito remotamente, mas sim.

Não sei até que ponto podemos contar com Tamia para isso, mas acredito que ainda possa haver alguma esperança, mas sem duvida devemos estar o melhor preparados possível. Se o cristal chegar a falhar Frender virá com tudo o que tem para cima de nós e pelo que Wil disse a necromante já começou a se preparar.

- Nós também devemos nos organizar, não podemos ficar para trás.

- Temos algumas vantagens em relação a ela, embora essas sejam muito sensíveis. Como por exemplo, o campo de batalha. Frender terá de vir até nós, com certeza virá em marcha acelerada e chegando aqui terá de se organizar enquanto nós já estaremos posicionados. Teremos condições de nos preparar para batalha de forma adequada.

- Sim e também conhecemos o inimigo muito bem.

- Já vimos como Frender luta a conhecemos e acima disso conhecemos nossos guerreiros, sabemos do que os Daslings são capazes. Sabemos o que podemos esperar de cada um desses guerreiros.

- Sem dúvida! Frender perde a vantagem da surpresa e nós poderemos organizar o campo de batalha a nosso favor.

- Porém, mesmo com tudo isso nossas chances ainda são mínimas.

Se Frender vier com a força que imagino que venha nossa proporção será diminuta frente a ela. E o pior de tudo. Desde o inicio da batalha estaremos encurralados.

- Verdade, cercados pelo exercito de Frender por um lado e o oceano de Dante e as montanhas por outro. Não teremos escapatória.

- Nossa única saída será lutar. - Amiel fica pensativo novamente, perdido nas inúmeras possibilidades que se apresentam frente ao destino incerto. Em breve ele terá de pegar em armas novamente para defender aqueles que ama.

Sua mente agora vagueia até um dia distante lhe trazendo a lembrança de uma conversa em especial.

O sol brilha lá fora quente e convidativo e podem-se ouvir as ondas se quebrando no oceano de Dante lá em baixo.

- Ela não desistira mesmo não é? - A bela elfa de cabelos vermelhos carrega uma pequena criança elfica em seu colo. A semelhança não deixa dúvidas, aquele é o filho de Amiel.

- Creio que não. Frender deseja por tudo ser senhora desse vale inteiro, mas ela tem um interesse especial por nosso vilarejo. - Ele aparenta cansaço tanto física quanto mentalmente. 

- No caso você quer dizer que ela tem um interesse especial pelo Palácio de Memória? - A elfa nina a criança tentando fazê-la dormir.

- Sim. E é dever dos Daslings proteger o lugar de qualquer invasor. Esse sempre foi o maior ponto divergente entre a existência harmônica dos dois líderes o maior motivo de brigas entre ambos. Tunnact-Clan foi o único em todos os tempos que conseguiu manter uma relação harmoniosa com a necromante. Ela deseja mais que tudo ter acesso ao Palácio de Memória, para que fins eu não sei exatamente, mas é lá que reside a ambição de Frender.

- Uma tola é isso o que ela é. Se mesmo Tunnact-Clan não conseguiu penetrar nos mistérios do palácio antigo como ela pode sonhar superá-lo.

- Hum... Mesmo antes da chegada dos povos reclusos a essas terras Frender já tentava dominar os segredos daquele lugar, claro que sempre sem sucesso, mas a chegada do povo Dasling a privou de novas investidas. Hoje ela não pode mais tentar atingir seu grandioso objetivo.

- Acha que hoje ela teria maiores chances?

- Minha amada Mhury é bem provável que Frender tenha desenvolvido novas habilidades ao longo dessas eras que se passaram, suas chances são sem duvida maiores, agora se são suficientes para que possua êxito isso já não posso prever, mas uma coisa é certa, somos o maior empecilho no caminho dela.

- Se não fosse pelo juramento feito a Tunnact-Clan nos primórdios dos tempos eu diria para que a deixassem passar e que ela tomasse posse do que tanto almeja e nos deixasse em paz.

- Mas nunca poderemos fazer isso. O senhor dos Daslings não teria pedido algo assim se não fosse de grande importância.

- Sim. Quanto a isso não há dúvidas. Os Daslings por muitas vezes pensaram em abandonar esta terra, mas se viram sempre presos a esse juramento que nos mantêm como guardiões nesse lugar. Bem por fim parece que teremos uma definição final para esse impasse não?

- Sim. Se tivermos de lutar novamente então que essa seja a última das batalhas, ou para nós ou para a necromante! - Mhury firma o punho com convicção sendo acompanhada pelo marido.

Já na noite escura a lembrança dessa tarde em especial traz a tona um pensamento fatídico na mente do elfo branco.

- A última batalha... Seja como for meu caro amigo. Essa terá de ser a última e decisiva batalha.

- Sim. Que seja a última batalha, seja para quem for.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo 05

Os três pequenos.

 

A casa é confortável, as esteiras longas e cobertas por colchões são muito agradáveis e mesmo assim nenhum dos três consegue dormir. Cadile também está acordada mexendo em suas panelas como de costume, ela não vai gostar de saber que eles estão acordados àquela hora.

- Rafá. Está acordado?- Laura fala o mais baixo que pode e cutuca a costela de Rafá .

- Depois de uma cotovelada dessas não dá para continuar dormindo não é?! - Ele reclama um pouco auto demais.

- É melhor fazerem silencio a não ser que queiram ir cuidar da cozinha junto com a Cadile. - Jhony fala em tom repreensivo, mas tomando cuidado para que Cadile não o escute.

- O que está pegando? - Rafá pergunta agora com a voz mais controlada.

- Eu Não consigo dormir... - Laura responde um tanto constrangida.

- E isso é motivo para não deixar mais ninguém dormir?!

- O que está havendo? Por que não consegue dormir? - Jhony pergunta bem mais interessado.

- Que pergunta besta Jhony! É lógico que ela está preocupada com o Yule não é? - Rafá se mete novamente.

- Sim. Até certo ponto sim, mas não é só isso. Quer dizer... Tem todas essas outras coisas acontecendo... Estou preocupada com o que pode acontecer daqui para frente.

- Todos estão... Todos falam em uma nova batalha, em uma grande e decisiva luta entre nosso povo e os demônios de Frender. - Jhony fala pensativo virando de barriga para o teto.

-Será que é isso? Essa vai ser a luta decisiva? - Rafá fala observando Jhony e Laura.

- Sim! Pelo menos para nós.

Os outros a escutam atentamente, um pouco preocupados com a possibilidade de a amiga estar certa.

- Se perdermos o cristal não sei se poderemos resistir.

- Acho que podemos sim! Quer dizer nós temos os grandes generais da guerra não é? E também tem a Tamia a sacerdotisa sucessora da grande Batula e da incrível Teles. -Rafá se anima.

- Sem falar de nosso povo em si, cada um dos Daslings esta pronto para qualquer guerra.

- Acham... Acham que nós também lutaremos? - Laura fica incerta, provavelmente aquela questão devia ser a fonte de seu maior tormento.

- Não vejo por que não. Não somos mais crianças e também fomos treinados, seria uma injustiça que não nos deixassem participar. - Responde Jhony.

- Eu sei bem que ninguém me diz se vou ou não lutar. Minha espada me acompanha pra todos os cantos e queiram os outros ou não eu lutarei e vencerei o máximo de inimigo que puder! - Rafá se anima além da conta.

- Vocês acham que as coisas que falam sobre o Helmetty podem ser verdade?

- De que ele pode ser um traidor e estar aliado a Frender? - Jhony se vira agora mais atento que antes.

- Não dá para ter certeza. - Rafá responde antes que qualquer um torne a falar.

- Helmetty matou inúmeros dos nossos, vocês o viram lutando quando atacou o vilarejo junto com a necromante alguns anos atrás. Sabem do que é capaz! Viram o demônio que na verdade ele é. - Agora é Jhony quem se exalta.

- Mas Teles o perdoo não foi? Quer dizer ela o aceitou entre nós então ele deve ter se arrependido.

- É Preciso possuir uma alma para poder se arrepender de alguma coisa e o elfo negro não possui uma.

- Está pegando pesado Jhony e baixa a voz se não todo mundo vai se dar mal aqui. - Rafá fala meio irritado olhando de esguelha para a cozinha onde Cadile continua com suas panelas. Ele continua: - Todo mundo viu o que aconteceu, mas se Teles o perdôo então deve haver um bom motivo. Não sei se podemos contar com ele para alguma coisa, mas também não acho que seja um traidor.

- O Rafá tem razão. Teles não teria sido enganada assim não é? - Laura tenta argumentar.

- Não sei. Só sei que para mim tanto melhor se ele passar pro lado da devoradora de almas, assim minha espada vai ter uma desculpa para procurar a carne dele. - Laura o olha um tanto desconfiada e depois se volta para Rafá que logo trata de fazer uma careta para a atitude do amigo.

- Não liga não. Ele surta assim de vez em quando é o jeito dele mesmo.

- Mas vejam só... Parece que temos três sonâmbulos por aqui, não é mesmo?! - Os três são surpreendidos pela voz inconfundível de Cadile. Ela está bem irritada em ver os três batendo papo até aquela hora da noite. - Bem. Já que estão tão dispostos assim tenho certeza que não vão se importar de me ajudar com aquelas louças não é mesmo?!

- Mas nós já estávamos dormindo Cadile... - Tenta argumentar Laura em vão.

- Nada disso vão os três para cozinha agora trabalhar um pouco para cansar esse corpo e então o sono vir!

Os três vão muito contra gosto para a cozinha ajudar com a pilha de louças para lavar. Como Cadile é quem cuida da refeição dos sentinelas de plantão eles terão muito trabalho para fazer agora que o número de vigias aumentou em quase o dobro.

 

 

 

 

CAPITULO 6

O CHAMA AZUL

 

 

A criatura ruge de forma ameaçadora, porém Feu não se intimida mantendo sua posição dando um piar tão alto quanto o rugir da fera, ambos se encarando na espera do momento certo para se lançar ao ataque. Finalmente a criatura pula dando pouco tempo ao falcão para se esquivar voando. O cão azul não desiste se lançando varias vezes em pulos perigosos contra Feu, apesar do tamanho sua velocidade é impressionante, a ave porem se livra dos ataques graças à vantagem de poder voar mantendo-se assim fora do alcance adversário.

Os dois se encaram por um tempo, a criatura toma impulso e lança uma rajada de fogo pela boca iluminando a floresta e tudo a sua volta. Feu se esquiva por muito pouco, a fera lança vários outros ataques cada vez alcançando maiores alturas e oferecendo maior perigo forçando a ave realizar incríveis manobras evasivas. A criatura firma os pés no chão e concentra energia em sua boca formando uma grande bola de fogo, ele ergue a cabeça e a lança em uma velocidade impossível de desviar. Feu inclina suas asas para trás e o seu piar ecoa na noite, toma uma posição ameaçadora e quando a bola de fogo se aproxima desce suas asas com grande força.

Foi como se uma ventania tivesse surgido. O corpo de Tamar rola vários metros, arremessado pelo vento. O bater de asas de Feu anula o ataque de fogo do inimigo. A ave dá mais um pio fazendo o chão tremer brevemente. Em resposta a criatura dá um rugido e corre em direção a Tamar. Feu voa vindo logo atrás, então a fera usa suas patas traseiras para lançar terra no rosto da ave que estando em alta velocidade não tem como evitar o ataque covarde do inimigo sendo atingida e perdendo momentaneamente a visão.

Feu voa até uma altura segura para evitar novas investidas do inimigo, deixando Tamar desprotegida.

A criatura não perde tempo e avança para sua vítima a poucos passos de distância.

- Tamia vai!

É a voz de Wil falando com a sacerdotisa que passa à frente erguendo seu cajado no ar ela fala palavras fazendo a madeira brilhar. A luz voa no ar como um raio estalando pelo caminho até atingir o peito da fera arremessando-a vários metros para trás com parte do corpo congelado.

Os três chegam ao corpo de Tamar. Yule e Tamia se abaixam para checar se Tamar esta viva, os ferimentos são visivelmente graves e a pulsação dela é fraca, mas eles chegaram a tempo ela ainda esta viva a questão é por quanto tempo mais seu corpo irá suportar.

Wil fica de pé frente ao grupo segurando uma espada bastarda, observando a criatura se levantar e usar o fogo de sua boca e as garras de sua pata para retirar o gelo de parte de seu peito.

- Como ela está? - Ele pergunta sem tirar os olhos de seu inimigo.

- Fraca, muito ferida e inconsciente, mas está viva, se a levarmos rápido Samantha conseguirá salva-la.

Tamia fala enquanto rasga parte da roupa de Tamar para enxergar melhor os ferimentos. Enquanto isso Feu voa em círculos ainda desorientado e cego. A estrada está pouco iluminada pela lua e o fogo que sai regularmente da respiração da criatura ilumina esporadicamente o lugar. Yule se aproxima segurando uma cimitarra.

- Não é possível!... - A expressão de susto e preocupação no rosto de Yule demonstra a surpresa ao reconhecer a criatura inimiga.

- É um Chama Azul.

- Esse tipo de criatura só deveria existir nas profundezas da floresta. O que está fazendo aqui?!

- Não se surpreenda tanto. Fui seguido até poucas milhas do vilarejo em pleno dia por criaturas piores que essa. As coisas dentro da floresta estão muito complicadas é até provável que esse tenha vindo fugido de lá.

- Bem se ele veio fugido vamos fazer com que deseje nunca ter saído! - Yule se torna muito mais firme em sua posição de luta. Wil esboça um sorriso ao ouvir as palavras do rapaz.

- Esse não é um adversário fácil...

- Se formos juntos não vejo problemas, a não ser que você esteja com medo.

- Então vamos lá. - Wil e Yule correm ao mesmo tempo, cada um em uma posição de luta.

- Eu vou primeiro no ataque, você o distrai. - Wil fala quando o chama azul começa a correr na direção dos dois.

- Certo. -Yule toma a frente ganhando distancia de Wil, quando o chama azul chega bem perto o rapaz pula e o animal acompanha seu movimento com a cabeça se desatentando de Wil que vinha logo atrás com a espada ao lado mirando a pele do animal. O chama azul percebe no último momento o movimento inimigo e dá um salto se lançando de lado conseguindo evitar a lamina. Yule cai quase ao lado de Wil mal tendo tempo de se recuperar, pois o chama azul é tomado pela fúria ao perceber a ousadia de seus adversários. O fogo é lançado contra os dois fazendo-os correr com grande dificuldade de evitar sua fúria.

Tanto Wil quanto Yule tentam se proteger da melhor forma possível usando árvores e rochas para isso, mas o fogo do chama azul se mostra incessante e fica cada vez mais difícil de evitar o ataque inimigo.

- Yule! Impossível chegar perto, temos de ir abrindo caminho de longe. - O rapaz, escondido atrás de uma árvore que começa a arder em chamas, faz que sim com a cabeça e ao primeiro vacilar das chamas inimigas sai de seu esconderijo já com a espada em mãos.

- Lamina do vento! - A espada desce e com ela um movimento de ar fino como o fio de uma lamina se move levantando terra por onde passa até pegar de raspão a pele do chama azul. Imediatamente jorra sangue do ferimento aberto pelo golpe, nem bem Yule toca o chão e Wil toma a dianteira dando um salto semelhante.

- Lamina do vento. - Ele grita e novamente a lamina feita de vento corre pronta para cortar até metal, o Chama Azul por sua vez já conhecendo a técnica consegue mesmo que por muito pouco se esquivar do ataque dando um salto para o lado.

Yule o olha cheio de convicção e grita novamente.

- Lamina do vento. - O ataque percorre o caminho e dessa vez o chama azul já consegue se esquivar com maior facilidade indo ao contra ataque enquanto Wil se prepara para um novo ataque.

- Ah... Lamina do vento!

Dessa vez o ataque atinge mais diretamente o chama azul, porém não forte o suficiente e a fera continua avançando agora mais perto que nunca, quando Yule tenta lançar um novo golpe já é tarde demais. A criatura consegue alcançá-lo e com um golpe de corpo lança o rapaz muitos metros para trás, logo Wil se torna o novo alvo, a chama incandesceste forma uma barreira mais alta que as árvores, Wil está completamente cercado.

O calor é tamanho que as forças de Wil começam a vacilar. No rosto é onde o efeito do calor se torna maior e na tentativa de protegê-lo com seus braços Wil acaba deixando o resto de seu corpo desprotegido, algo de que o Chama Azul se aproveita muito bem. A fera atravessa o fogo e usa suas garras negras para causar um sério ferimento ao braço do rapaz. Com o braço ferido a espada cai o deixando cercado pelo fogo e pelo inimigo.

A criatura ruge de prazer como verdadeira vencedora do combate sem se dar conta de que não derrotou todos os oponentes, pois um foi mantido de lado durante toda a batalha.

A ventania surge não se sabe de onde, quase arrancando Wil do lugar, a força faz com que terra seja levantada levando o fogo do Chama Azul embora. Tamia surge com seu cajado erguido no meio da poeira.

- A Natureza cria e cuida de todas as criaturas e também tem o poder para destruí-las quando necessário e eu tenho poder sobre a natureza. Não permitirei que mais nenhum de meus filhos sejam sacrificados por causa de demônio algum.

Haviam lágrimas no rosto de Tamia, Wil podia ver aquilo claramente e sua voz estava muito mudada, assim como seu modo de agir. A lembrança de Batula vem a sua mente ao ver Tamia daquele jeito, mas ao mesmo tempo suas palavras lhe causaram preocupação.

 "Ela falou em não sacrificar mais nenhum filho... Será que Tamar? Não, de alguma forma isso não pode ser verdade. Tamar tem de estar viva, ela precisava estar viva".

Tamia ainda está com o cajado erguido em uma posição agressiva. O Chama Azul a encara receoso temendo o combate.

- Os elementos da natureza foram usados para trazer vida aos seres de Garden e também podem ser usados para retirar a vida desses mesmos seres. Yule tem razão, isso não se trata mais de vida e sim de morte e se tiver de haver morte que não seja a de nenhum dos meus.

Wil ainda está com o braço sangrando muito ferido, Yule já se recuperou do ataque sofrido e se aproxima para auxiliá-lo. O combate agora é entre o Chama Azul e Tamia e eles sabem que devem se afastar dali, pois seria muito perigoso para ambos no estado em que estão ficar próximos de uma luta tão violenta.

O cajado de Tamia emana luz azulada e intensa carregada de uma densa esfera elétrica. O Chama Azul decidi que é melhor partir pro combate avançando contra a inimiga.

Não haviam nuvens no céu, a noite estava muito tranquila, mas o simples mover do cajado de Tamia fez com que tudo mudasse repentinamente, o vento se agita, a noite se torna mais escura e por fim o descer do cajado traz consigo um relâmpago rasgando o céu atingindo em cheio o Chama Azul o arremessando muito metros para trás. O impacto do ataque foi tão grande que mesmo Yule e Wil também são arremessados contra o chão. No lugar onde o raio caiu o solo abalado fica negro, queimado, mas ainda assim em melhor estado que o chama azul agora caído muito ferido com várias queimaduras pelo corpo, mas ainda vivo e consciente.

Tamia respira ofegante, ainda com grande fúria em seus olhos observando o Chama Azul tentar se reerguer.

- Só queremos viver em paz, nunca os fizemos mal algum, mas vocês insistem com esse ódio doentio e desejo de destruição obcecada, pois bem que venha Frender, pois este será o último dos combates. Dessa vez apenas um dos inimigos permanecerá e garanto por minha mestra que os Daslings sairão vencedores.

Yule não tinha certeza a qual das mestras Tamia estava se referindo, mas pelo seu modo de agir poderia apostar sua espada que falava de Batula.

O cajado da sacerdotisa brilha novamente dessa vez com a cor verde forte tomando conta de boa parte da madeira. O movimento do cajado é acompanhado por uma onda de terra seguindo na direção do Chama Azul, a criatura sem forças para se mover é atingida por vários espinhos de terra dura penetrando em sua pele e carne. O combate esta terminado e a sacerdotisa é a vencedora, sem forças ela caia de joelhos no chão, uma mistura de esgotamento físico e espiritual a tomando conta. Wil e Yule se aproximam o mais rápido que podem ainda muito impressionados com tudo o que acabaram de ver.

- Tamia você está bem? - Wil pergunta se abaixando para olhar a sacerdotisa nos olhos, ela porém se levanta antes mesmo de ele chegar a encará-la, as lágrimas e o abatimento em seu rosto são aparentes e preocupantes.

- Temos de ir embora, Tamar está morrendo. - Ela fala já indo em direção ao corpo ferido sem ter coragem de encarar os dois, deixando-os completamente desnorteados.

Yule é o primeiro a conseguir se mover correndo na direção da irmã ele se ajoelha a seu lado. A imagem de Tamar naquele estado o faz sentir a maior dor de sua vida, vê-la daquele jeito e sem poder fazer nada para ajudá-la causa-lhe uma dor maior de que a de qualquer ferimento que já tenha sofrido.

- Tamar... Tamar... você tem de reagir droga! Você sempre foi a mais cabeça dura, não acredito que justo agora vai desistir assim... - As lágrimas molham o corpo da garota se misturando ao sangue já seco dos muitos e profundos cortes em sua pele.

- Eu fiz o que pude. Parei os sangramentos, mas não tenho como curá-los. Existe uma magia poderosa demais no que a feriu.

- Temos de levá-la daqui. Você e Samantha juntas podem ter alguma chance. Tenho certeza que com os devidos cuidados ela vai se recuperar. - Ele tenta carregá-la, mas a visão do estado de Tamar fez com que esquecesse do próprio ferimento em seu braço,  com o esforço o sangue jorra em grandes proporções.

- Seu braço. - Tamia olha muito preocupada para o braço de Wil.

- Está tudo bem, não é nada demais. - Ele responde, mas logo sua força vacila e ele percebe que não conseguirá carregar o corpo de Tamar.

- Um ferimento dessa profundidade causado por um chama azul e você vem me dizer que não é nada?! Traga seu braço aqui deixe pelo menos eu estancar o sangue e impedir que o ferimento aumente de tamanho. - Wil desce o corpo de Tamar o mais gentilmente que consegue.

- Eu cuido dela.

Yule fala observando fixo para o corpo da irmã. Ele a acolhe em seus braços o mais confortavelmente que consegue. Apesar de ser muito jovem Yule possui uma grande força física, resultado do treinamento que recebeu desde criança e não tem dificuldade em carregar o corpo da irmã. É quando ela já está em seus braços a caminho de seu cavalo que o espadachim percebe algo diferente. Uma fina linha de um metal muito dourado desce do pescoço de Tamar e só então ele percebe o colar que ela carrega. Nenhum dos outros teria reconhecido aquele objeto, mas ele o conhecia muito bem.

- Agora entendo por que você quis sair sozinha, então queria resgatar a joia, a última e talvez a mais importante lembrança de nossa mãe. O colar de Valenort estando aqui é como se nossa mãe estivesse a seu lado novamente. Vai ficar tudo bem minha irmã. Nossa mãe está conosco, ela não vai deixar que nada de mal nos aconteça.

Tamar é cuidadosamente colocada em seu cavalo, ele olha para Wil e Tamia terminando de forma forçada o trabalho no braço do rapaz então se volta novamente para a irmã e discretamente retira o colar de seu pescoço o guardando com muito cuidado dentro de sua roupa.

- Não temos mais tempo Tamia, temos de ir embora.

- Seu braço não pode ficar assim Wil, um Chama Azul carrega coisas malignas em seu corpo as quais a maioria pode matar ou no mínimo fazê-lo perder esse braço.

- Não se preocupe, eu preciso desse braço não tenho nenhum interesse em perdê-lo. Está tudo bem ai Yule?

- Sim, temos de ir.

- Você fica no meio não paramos por nada até chegarmos ao vilarejo, estejam atentos pode ser que ainda tenhamos problemas pelo caminho. -Wil dá a ordem enquanto Tamia olha para o céu e vê Feu voando em círculo.

Ela assovia e de imediato a ave começa a descer parando bem próxima a sacerdotisa.

- Você fez um ótimo trabalho meu fiel amigo. - Tamia direciona seu cajado para a ave parada de olhos fechados em seu braço. Um brilho faz dissipar a areia que o cegava. A ave abre os olhos e agita as asas dando um piar cheio de agradecimento.

- Agora vá e seja nossos olhos no céu. - Feu levanta voo sem se deter mais nenhum momento. 

Estando todos devidamente montados eles se preparam para trilhar o caminho de volta, porem não chegam a dar nem sequer um passo à frente, pois tudo some. A lua, as árvores e a própria estrada desaparecem, uma treva completa os cerca os impedindo de enxergar qualquer coisa em um raio de cinco metros.

- O que esta havendo? - Tamia tem dificuldade de controlar a agitação de seu cavalo.

- Estamos sendo atacados? - Yule protege o corpo da irmã como pode olhando freneticamente para os lados.

- Fiquem perto um do outro. Não se afastem por nada. - Wil fica muito preocupado. O ferimento em seu braço esta muito mais sério aumentando a dificuldade de segurar a espada.

- Temos de sair dessas trevas. - Tamia ergue seu cajado o fazendo se iluminar lançando luz na direção onde antes estava o caminho para o vilarejo, mas as trevas simplesmente devoram o brilho do cajado e assim a escuridão se mantêm inalterada.

- Mesmo o grandioso brilho da sacerdotisa da terra nada pode neste lugar. Aqui tudo é nada e o nada é tangível. - A figura que surge na escuridão os faz parar. Aquilo que viam não podia ser real, eles tem certeza que estavam vendo errado, mas como isso seria possível sendo a imagem tão clara.

A loba estava ali, nítida no meio da estrada lhes olhando fixa, imóvel e astuta.

Ela abre a boca e seu uivar ecoa por todo o lugar como se estivesse se espalhando pelo mundo todo.

Não importava mais se realmente se tratava de uma visão ou não. Os cavalos se curvam mesmo sem ter recebido tal ordem, assim como seus cavaleiros o fazem quase que por instinto curvando seu corpo de forma respeitosa sobre sua montaria.

A figura da divina Mutter-Nathur, da deusa da terra. Sua figura mais marcante é e sempre foi a da loba.

Tal aparição é simplesmente inimaginável nos dias de hoje, estar vendo aquela figura ali naquele momento é o mesmo que estar vendo a Deusa em sua frente e é o que cada um ali acredita estar acontecendo.

A loba os observa por algum tempo, até que fecha os olhos e tudo começa, seu corpo começa a se transformar, primeiro lentamente depois mais e mais rápido, até tomar sua forma final, a forma da grande mãe, a forma humana da Deusa a aparência que toma para seus filhos a grande mãe de tudo e de todos.

- Meus filhos. Vejo o quanto já sofreram e venho aqui para lhes trazer conforto. -A voz soa sobrenatural, gutural como se estivesse vindo de uma caverna muito profunda.

- Minha mãe... Porque permitiste que as coisas chegassem a esse ponto? - Tamia chora agora abertamente, a dor de ver Tamar naquele estado rasga seu coração.

- Vocês devem caminhar por si sós, seus passos os trouxeram até aqui, mas não posso mais suportar a dor de vê-los sofrer. O destino que os espera se continuarem por essa estrada é desesperador, por isso digo que sigam para a floresta Vespertina onde poderei cuidar para que fiquem bem. Ofereço essa chance a vocês quatro, meus verdadeiros filhos.

Eles escutam quietos e em silêncio, Yule olha para o estado de sua irmã, as marcas negras pela pele e o volume da joia de Valenort em sua jaqueta, ele sente que aquilo não está certo. As coisas não deveriam ser assim.

- Você deve estar nos confundindo com outra pessoa. - Ele fala ainda olhando para a irmã inconsciente em seus braços.

- Do que você está falando jovem Yule, espadachim dos espadachins? - Mutter-Nathur fica confusa algo na voz de Yule a incomoda.

- Nunca fizemos algo que nos tornasse dignos da presença de tamanha divindade. - Ele a encara nos olhos. Realmente existe algo de diferente no olhar de Yule, talvez sua irmã em seus braços naquele estado tenha despertado um sentimento diferente em seu coração.

- Yule tem razão e quanto aos outros de nosso povo? O que será deles?- Wil entra na conversa apertando forte as rédeas de Belt.

- Estou oferecendo a salvação a vocês. Os outros terão seu destino em suas mãos. O que lhes acontecerá está nas mãos deles, eu não interferirei. - O tom maternal é tomado novamente pela Deusa tentando ser o mais gentil possível com seus filhos.

- Então é isso? Podemos nos salvar, mas teremos de deixar nossos irmãos entregues ao destino? - Tamia entra na conversa novamente, certa tristeza toma seu olhar e sua voz.

- Nem todos podem ser salvos, sempre existirão sacrifícios necessários para que a vida possa seguir.

- Sendo assim seguiremos também. Se este é o tipo de Deusa que você é, então dispenso sua ajuda. Não sei quanto aos outros, mas não vou escutar uma mãe que escolhe os filhos que pretende salvar. - Todos olham para Yule que abraça sua irmã com força.

- Falou tudo Yule. - Wil fica agitado em cima de Belt que não para quieto.

-Se realmente se importa volte conosco e lute ao lado de seus filhos, tenho certeza que com sua ajuda nada teremos a temer. - Tamia fala obstinadamente, avaliando a reação da Deusa a sua frente.

- Não farei isso! Não podemos interferir nas guerras dos povos de Garden.

- E o que você está fazendo agora é o que?! - Yule começa a se irritar.

- Dando uma chance de salvação a cada um de vocês.

Vocês podem se ver livres de toda a dor que recairá sobre seu povo. - Ela olha para Tamia.

- Pode ter sua irmã salva e ilesa. - Ela olha para Yule.

- E pode viver seu amor em paz, posso trazê-la para ficar junto de você. - É a vez de Wil ser tentado.

- Uma mãe conhece a seus filhos melhor que eles mesmos. Você deveria saber que tudo o que conseguiria com essa proposta seria nos irritar! - Tamia fica furiosa.

- Não sei quem ou o que é você, mas sei que já nos fez perder tempo demais. - Yule quem fala agora segurando sua espada com força.

- Faça a estrada aparecer, pois nosso povo nos espera. - Wil faz com que Belt erga as patas como forma de afronta para que o caminho se abra.

- Ousam desafiar a maior das divindades? Eu lhes ofereci a vida e vocês ainda assim escolhem a morte? - Mutter-Nathur deixa transparecer sua fúria.

- Para uma Deusa que zela tanto pela vida você fala demais na morte!  Minha irmã precisa de cuidados e você está em meu caminho, deusa ou não é melhor que saia.

- Minha mãe abraça a todos os seus filhos sem distinguir nenhum, você pode ser quem for, mas não é minha mãe. - O cajado de Tamia aponta para o peito da bela figura feminina. A estrada de terra ressurge revelando o caminho atrás de Mutter-Nathur.

- Se não sair passaremos por cima com nossos cavalos. - Wil avança com Belt contra o corpo de Mutter-Nathur sendo seguido pelos outros.

- Vocês morrerão todos e vagarão eternamente pelos vales de Garland. - Por um momento Mutter-Nathur pareceu com um demônio cheio de ódio e desejo de morte, mas nenhum dos três percebeu esse detalhe, pois passaram muito rapidamente pela imagem que logo desapareceu ao ser tocada.

Eles param a cavalgada tão logo conseguem passar da figura feminina, voltando sua atenção para o lugar onde há instantes atrás estava a imagem da mais poderosa das Deusas.

- Afinal de contas o que foi tudo isso? -Wil olha incrédulo para a estrada não acreditando no que acaba de acontecer.

- Não tenho certeza, mas acho que acabamos de ser tentados por algum demônio. - Tamia ainda está muito nervosa, com a respiração agitada e o coração muito acelerado. Mesmo que não tenha passado de uma ilusão ver a Deusa ali naquele momento mexeu demais com o interior da sacerdotisa.

- Parece que a necromante quer nos impedir de retornar ao vilarejo. Isso seria ótimo para ela, quatro generais fora de batalha. Qual seria a esperança dos Daslings depois disso? - Yule olha para a floresta como se esperasse ver a necromante a qualquer momento.

- Provavelmente nenhuma. Se abandonarmos os Daslings agora a esperança deixará de existir. Precisamos voltar.

- Muito se engana devoradora de almas! Sei que pode me escutar e não vai ser assim que vai nos vencer. Se quiser nossas almas terá de lutar e correr os riscos de perder a sua.

Agora vamos, temos de cuidar de Tamar.

- Tamia concerte com a cabeça, eles não podem mais perder tempo.

A viagem de volta começa. Um longo caminho se apresenta à frente do pequeno grupo, mas o que eles não percebem é a figura que deixam para trás.

- Então é isso. As coisas começam a fazer sentido finalmente. Agora sei o que vou enfrentar.

A voz um pouco selvagem, assim como a imagem da figura surgindo da mata escura, a pele verde claro, os traços humanos misturados a feições duras dos Orc's, a beleza exótica e incontestável: A necromante

Eles seguem em grande velocidade. Yule no meio com Tamar, Wil à direita e Tamia à esquerda. Pela primeira vez desde que chegou ali, Wil pode olhar realmente para Tamar. É imensa a dor que sente vendo-a naquele estado. Seu coração aperta e uma grande angustia o aflige. Ele se sente responsável por aquilo, ela o esperou até onde pode e ele não apareceu.

- Me desculpe. Você vai ficar bem, vou cuidar para que tudo fique bem agora. - E assim continua o galopar por horas seguidas. Os primeiros raios de sol já surgiam no céu quando chegaram ao fim da estrada, a noite correu sem maiores novidades depois do surgimento da loba, o qual todos ainda pensam em silencio, apesar de todos os problemas enfrentados a viagem de volta foi tranquila, pelo menos até aquele momento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPITULO 7

O SOAR DO SINO

 

 

Ela dormiu. Finalmente depois de várias noites em claro ela conseguiu dormir. Aparentemente as palavras de Ville trouxeram paz para o espírito de Alinne e como não fazia há bastante tempo ela dormiu profunda e tranquilamente.

O despertar é lento e cheio de preguiça, mas logo tudo se transforma. A paz que ocupava seu espírito se dissipa junto com o som dos sinos vindo freneticamente de um lugar não muito distante dali.

Seu corpo desperta instantaneamente, aquele som é conhecido e significa problemas de proporções imensas.

- Não pode ser. Não justo agora. Ainda não, por favor... - Ela se levanta de um salto começando a se vestir as pressas seguindo porta à fora rumo à praça central. Logo percebe que suas piores suspeitas estavam certas. As pessoas estão em tremendo alvoroço correndo para todos os cantos.

Ela segue para o templo de Mutter-Nathur às pressas, o caos se forma no grande portão de entrada do templo. Vários representantes das famílias elficas e dos anões estão presentes, muitos humanos também estão por lá. Ville está no muro junto com a maior parte de seus soldados, mas o que mais chama sua atenção é a presença dele. O elfo negro está na entrada do templo.

- Saia da frente demônio, se não quiser provar do poder de meu arco. - É Denver, o elfo branco que falava com Daltivo no dia anterior quem ameaça Helmetty. O elfo negro protege o portão do templo impedindo todos de avançarem.

-Então venha elfo tolo e você não precisará se preocupar nem com o cristal e nem com a necromante, pois será o primeiro a se lançar nos vales de Garland. - Helmetty saca a espada de lâmina negra se colocando entre todos a sua frente.

- Juro que dessa vez passarei por cima de você. Prefiro te derrubar aqui agora do que ter de esperar a necromante aparecer para que possa nos trair. - Latrél, o anão, fala empunhando um machado largo, ele finalmente avança contra o elfo negro junto com Denver e vários dos outros presentes. Helmetty não arreda o pé embora sua expressão demonstre que não era aquilo que queria.

- Não ousem dar mais um passo. - Ninguém vê de onde ela surge, Alinne aparece repentinamente se colocando entre o grupo furioso e o elfo negro odiado.

- A humana...  Saia da frente pequena humana, pois não hesitarei em passar por cima de você também. - Denver freia o seu avanço ainda cheio de fúria.

- Talvez queira tentar o mesmo comigo Denver. - Amiel chega tão silenciosamente que até mesmo Alinne se assusta com a voz atrás dela.

- Acho que vocês vão ter alguma dificuldade enfim não é, e você o que pensa que está fazendo Latrél, se pondo contra os generais? - Alexander também está presente com seu machado, o surgimento dos três faz com que o grupo frei seu avanço, mas isso não diminui a fúria em seus olhos.

- Por que o defendem? - Denver pergunta enfurecido.

- Estamos defendendo o templo, conforme Tamia nos pediu. - Alinne responde sem tirar os olhos do elfo.

- Tamia incumbiu a Helmetty a missão de não permitir que ninguém entre no templo. - Fala Amiel com certo desgosto.

- A ele!?  Mas como ela pode confiar essa responsabilidade a ele?- Latrél grita quase com nojo. Alinne é quem responde:

- Isso não importa! Ele está cumprindo apenas o que a sacerdotisa pediu. Cada um dos que estão aqui presentes servem a sacerdotisa da terra, se quiserem descumprir com uma ordem direta dela terão de passar por cima de nós. - Ela toma uma posição ainda mais ameaçadora seguida por Alexander e Amiel.

Todos os olham, definitivamente enfrentar três dos grandes generais e o elfo negro não estava em seus planos.

- Antes que isso tudo acabe vocês se arrependerão profundamente da confiança que depositaram nesse demônio. A traição faz parte do sangue de um elfo negro. - Denver fala ainda cheio de fúria.

- Você já mostrou estar errado antes Denver, acreditarei que esteja errado agora também. - Denver fica atônito sem palavras. Nunca esperaria aquela atitude de Amiel.

- Pois veremos quem estava errado quando eu estiver cavando a sua sepultura Amiel senhor dos elfos brancos. - Ele fala cheio de ódio enquanto se afasta.

- Vocês também. Como ousam envergonhar a honra da grande linhagem dos anões? O que o grande Aquim senhor dos anões pensaria de vocês agindo dessa forma. Vão se embora temos muito o que fazer ao invés de perdermos tempo aqui. - Os outros anões apenas o olham sem nada dizer e logo se retiram, ao que tudo indica realmente havia muitas coisas a serem feitas e o tempo era pouco.

- Não percam mais tempo aqui. Vão e preparem-se da melhor maneira possível, logo estaremos em imensos apuros. -Os humanos que estavam lá também vão se embora deixando apenas os três e o elfo negro.

Agora a sós eles finalmente podem respirar um pouco mais aliviados e voltar sua atenção para o que realmente importa.

- O sino! Quem o tocou? - Amiel fala com urgência olhando direto para Helmetty. Ele agarra a camisa do elfo negro o irritando com a atitude.

- Ninguém! Não seja tolo é obvio que o sino tocou sozinho. O templo esta lacrado faz dias. - Ele fala empurrando o corpo de Amiel. A raiva ainda predomina em seus olhos e em sua voz.

- Sozinho? - Alexander pergunta confuso olhando para a torre superior. Alinne é quem esclarece sua duvida:

- O templo de Mutter-Nathur não é um templo comum. Mutter-Nathur é um dos grandes símbolos da vida e a presença dela ali é tão grande que a quem diga que o próprio templo possui um pouco da vida da Deusa. - Alexander fica impressionado, mas os outros simplesmente acham a explicação uma perda de tempo e não dão maior atenção.

- O templo está nos avisando que o lacre protetor acaba de se romper. O cristal está prestes a se partir e nosso inimigo não só já sabe disso como começa a marchar para cá. -Helmetty não está tão aterrorizado quanto os outros, mas não consegue esconder o medo que sente naquele momento.

- Não pode ser... Não tão rápido. - Amiel fica confuso e assustado.

- Precisamos nos preparar imediatamente. - Alinne esta quase sem fôlego, o batimento acelerado do coração deixa a respiração irregular. Todos ao redor estão confusos e assustados e aquilo é perigoso.

O sino para e com ele todos param também. Os olhos se voltam para o mesmo lugar, a respiração de cada um para junto com o ultimo toque e então tudo acontece muito rápido o brilho era intenso e quente, o chiar causado era imenso e ensurdecedor. O brilho atingiu tal ponto que fica impossível olhar para o lugar, mas todos sabiam que vinha do alto do templo. A força da luz era tanta que se tornou impossível continuar com os olhos abertos, foi aí que aconteceu a grande explosão.

O som foi incrível, uma explosão sem igual. Era possível sentir a energia passando por seus corpos. Todos morreriam ali, mas tudo cessou tão repentinamente quanto começou. A luz recuou para o ponto de origem e aos poucos todos foram conseguindo enxergar novamente.

Aparentemente não houve danos físicos, mas se antes havia confusão agora o pânico estava instaurado. Não havia mais dúvidas quanto ao cristal estar destruído e nem todos estavam preparados para aquilo.

- Acabou... O cristal está completamente perdido agora. - Helmetty fala de certa forma até calmamente.

- Temos de fazer alguma coisa... - Alexander fala sem saber exatamente o que fazer.

- Vou proteger o templo. - Helmetty olha para os outros.

- Cuidar da defesa. - Amiel simplesmente some de tão rápido que se afasta.

- Ajudar as pessoas. - Alinne também sai em disparada deixando apenas Alexander sem saber o que fazer.

- Eu vou me cuidar também. - O anão sai correndo em meio à multidão.

Alinne logo percebe que acalmar a população não seria uma tarefa fácil, tão difícil quanto a de Amiel em organizar as defesas. Apesar de ninguém ter sido afetado fisicamente o moral de todos está abalada e o espírito dos Daslings sofreu um sério golpe. Um golpe que será muito difícil de tratar e que pode se tornar mortal para todo o povo.

 

 

 


    Espada bastarda é uma espada larga e pesada própria para causar grandes danos, porem muito difícil de manusear.

    É uma espada curva de médio alcance. Bastante afiada e de fácil manuseio, veloz e precisa geralmente é usada por espadachins ou mercenários.